Plano anticrime de Moro já encontra resistência entre ministros do STF

O ministro Sergio Moro (Justiça) chega à coletiva de imprensa na qual falou sobre pacote anticrimeReynaldo Turollo Jr.Ricardo Della Coletta
BRASÍLIA

As restrições para a progressão de regime prisional —de fechado para semiaberto— previstas no pacote legislativo do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, devem esbarrar na jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal).

Esse é um dos principais pontos que, para um ministro consultado pela Folha, devem ser questionados na corte. Isso porque, em 2006, o plenário do STF julgou inconstitucional um artigo da Lei dos Crimes Hediondos que previa que a pena para condenados por esses delitos seria cumprida integralmente em regime fechado.

Tal impedimento de progressão de regime, antes da decisão do Supremo, valia para crimes hediondos (como homicídio qualificado e estupro de vulnerável) e equiparados (tráfico de drogas).

Agora, Moro quer que reincidentes em quaisquer crimes ou condenados por corrupção e peculato comecem a cumprir pena em regime fechado independentemente da pena fixada na sentença. Além disso, quer dificultar a ida de presos por crimes hediondos para o semiaberto.

Pela jurisprudência, o Supremo entende que uma vedação geral à progressão viola o princípio da individualização da pena —argumento que prevaleceu no julgamento de 2006. A corte chegou a editar uma súmula vinculante, de número 26, para obrigar juízes de todo o país a seguir sua decisão, o que demonstra um entendimento consolidado.

Um dos quatro ministros ouvidos pela reportagem, porém, ponderou que, na época do julgamento, a composição do STF era outra e o poderio do crime organizado, também —fatos que, eventualmente, podem mudar a forma como o plenário encara o tema.

A restrição da progressão de regime prisional é um dos pontos do chamado projeto anticrime, apresentado na segunda (4) pelo ministro do governo Jair Bolsonaro (PSL). O pacote precisa ser aprovado no Congresso para virar lei.

Após apresentar seu pacote, Moro disse que, sobre as restrições de progressão de pena, sua proposta era “consistente com o entendimento do Supremo” —percepção diversa da de ministros da corte.

“Nós aprendemos com erros do passado. Colocamos a redação desse dispositivo para ser consistente com o entendimento do Supremo. Não existe nenhum óbice ao princípio da individualização da pena nesse caso, porque o dispositivo dá margem a exceções”, declarou o ex-juiz.

Outra proposta de Moro que, para outro ministro ouvido pela reportagem, causou estranheza no Supremo é a que trata do excludente de ilicitude para policiais.

O magistrado afirmou que o tribunal analisará com cuidado a medida, uma das mais criticadas. O Supremo, ainda segundo esse ministro, deverá manter sua postura historicamente garantista, por ser a última trincheira na defesa das garantias dos cidadãos.

Um quarto ministro do Supremo disse à Folha que é provável que todo o pacote de Moro, se for aprovado no Congresso, vá parar na corte.

Nesta terça (5), durante sessão da Segunda Turma, o decano do Supremo, ministro Celso de Mello, fez a primeira crítica pública a uma das propostas do pacote —a de fixar que crimes comuns (como corrupção), quando investigados em conexão com crimes eleitorais, sejam de competência da Justiça comum, e não da eleitoral (onde, em tese, as punições são mais brandas).

O Supremo vem enviando os casos à Justiça Eleitoral, com base no Código Eleitoral, que diz: “compete aos juízes [eleitorais] processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos”.

Citando o ministro da Justiça, Celso de Mello afirmou que eventual mudança nas atribuições da Justiça Eleitoral não poderia vir por meio de lei ordinária, como pretende o projeto.

Os possíveis embates que o pacote de Moro podem gerar no STF já são discutidos entre especialistas. Para Marcus Edson de Lima, presidente do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais, um trecho que permite ao juiz fixar período mínimo de cumprimento da pena em regime fechado vai contra a Constituição.

“Viola diversos princípios constitucionais, como a individualização da pena, a dignidade da pessoa humana, além do princípio da isonomia”, diz.

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, argumenta que a parte que trata da legítima defesa e do excludente de ilicitude é passível de questionamento. “O argumento da ‘forte emoção’ remete a um nível de subjetividade muito grande que nenhum juiz poderá mensurar”, disse.

A presidente da Associação de Juízes para a Democracia, Laura Benda, por sua vez, cita o trecho que prevê que um condenado pelo Tribunal do Júri comece imediatamente a cumprir pena, mesmo que haja recursos.

Entidades que representam juízes, por outro lado, têm manifestado publicamente apoio ao pacote anticrime. “Aparentemente, as propostas seguem a linha de constitucionalidade”, disse o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Jayme de Oliveira.

Apesar do apoio, o presidente da Ajufe (Associação Nacional de Juízes Federais), Fernando Mendes, disse que a entidade proporá nova redação para a parte sobre excludente de ilicitude. Para Mendes, o instituto da legítima defesa já é consagrado no ordenamento penal brasileiro.

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