Documento que pede afastamento da presidente é assinado pelos advogados Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, Miguel Reale Junior, ex-ministro do governo FHC, e Janaína Conceição Paschoal
“EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS DO BRASIL
Referente ao Ofício 2210/2015/SGM/P
(Denúncia oferecida em 1º.9.2015, em desfavor da Excelentíssima Presidente da República, Sra. Dilma Vana Rousseff)
HÉLIO PEREIRA BICUDO e JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL, cidadãos brasileiros, já qualificados e com certidões de quitação eleitoral devidamente anexadas, nos autos da denúncia ofertada em face da PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Sra. DILMA VANA ROUSSEFF, pela prática de crimes de responsabilidade, haja vista notificação recebida, sem indicação clara de nenhuma irregularidade, conferindo o prazo de dez dias para complementarem a inicial, vêm ADITAR a DENÚNCIA, para incluir o DENUNCIANTE MIGUEL REALE JÚNIOR, jurista responsável pelo minucioso estudo sobre as chamadas “pedaladas fiscais”, que ensejou a Representação Criminal ofertada em face da Presidente da República, perante a Procuradoria Geral da República (certidão de quitação eleitoral anexa).
Primeiramente, cumpre consignar que conforme determina a Constituição Federal e a Lei 1.079/50, todos os requisitos formais e materiais para o início do processo de impeachment foram cumpridos: os fatos foram narrados; a capitulação jurídica foi conferida; as firmas foram reconhecidas em Cartório, por autenticidade; as certidões de quitação foram anexadas; as testemunhas foram indicadas e farta documentação foi apresentada, com destaque para termo de delação premiada, acórdão do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª. Região e do Egrégio Supremo Tribunal Federal, bem como notícias jornalísticas de diversas fontes.
Ademais, com fundamento nas lições de Paulo Brossard, os denunciantes asseveraram que o processo de impeachment visa à verdade real, sendo certo que os Parlamentares não ficam adstritos aos termos da denúncia, podendo trazer aos autos fatos posteriores, decorrentes do quanto narrado.
Imperioso destacar que os denunciantes solicitaram, expressamente, que o Tribunal de Contas da União, o Tribunal Superior Eleitoral, o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Regional Federal da 4ª. Região e a 13ª. Vara Federal Criminal de São Paulo fossem oficiados, com o fim de enviarem a íntegra dos procedimentos em trâmite, respectivamente, referentes às pedaladas fiscais, às contas do Governo Federal e à Operação Lava Jato, todos fatos objeto da denúncia.
Desse modo, tem a presente o fim de reiterar a denúncia ofertada, em todos os seus termos.
Das pedaladas fiscais:
Não obstante, haja vista que, na data em que a denúncia fora apresentada, estava ocorrendo, perante o Senado Federal, Audiência Pública, referente às chamadas pedaladas fiscais, requer-se, nesta oportunidade, seja a Ata de referida Audiência anexada a este feito,
O documento é identificado como Ata da Vigésima Oitava Reunião Ordinária da Comissão de Assuntos Econômicos da 1ª. Sessão Legislativa Ordinária da 55ª. Legislatura, realizada em 1º. de Setembro de 2015, às 10 horas, na sala de reuniões n. 19 da Ala Senador Alexandre Costa, Senado Federal.
Na referida Audiência Pública, foram ouvidos Júlio Marcelo de Oliveira, Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União- MPTCU; Leonardo Rodrigues Albernaz, Secretário de Macro-avaliação Governamental do Tribunal de Contas da União- TCU; e Tiago Alves de Gouveia Lins Dutra, Secretário de Controle Externo da Fazenda Nacional do Tribunal de Contas da União.
Como já é de conhecimento público, Júlio Marcelo de Oliveira foi o Procurador que, primeiramente, denunciou, mediante a apresentação de Representação ao Tribunal de Contas da União, o expediente denominado “pedaladas fiscais”. Tal representação deu ensejo à instauração do Processo número 021643/2014-8, tendo sido realizada auditoria pela Secretaria de Controle Externo da Fazenda Nacional do Tribunal de Contas da União.
Na Audiência Pública, os convidados foram bastante minuciosos ao explicar as irregularidades perpetradas pela Presidente da República, deixando evidentes os motivos pelos quais, no Acórdão 825/2015, o Plenário do TCU condenou a prática.
Com a presente, junta-se a íntegra do Acórdão acima mencionado, no qual se lê que:
“22.Passando agora ao objeto inicial desta representação, qual seja, o suposto atraso, por parte da União, nos repasses de valores destinados ao pagamento de benefícios de programas sociais, subsídios e subvenções de sua responsabilidade, restou confirmado nos autos que: i) despesas concernentes ao bolsa família, ao seguro-desemprego e ao abono foram pagas pela Caixa: ii) subsídios do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV vêm sendo financiados pelo FGTS; e iii) subvenções econômicas, sob a modalidade de equalização de taxas de juros, vêm sendo bancadas pelo BNDES ou pelo Banco do Brasil.
23. No caso das despesas referentes ao bolsa família, ao seguro-desemprego e ao abono salarial, verificou-se que, ao longo de 2013 e dos sete primeiros meses de 2014 (jan. a jul./2014), abrangidos na fiscalização, a Caixa Econômica Federal utilizou recursos próprios para o pagamento dos benefícios de responsabilidade da União. Na verdade, conforme demonstram as tabelas constantes do relatório de fiscalização, as contas de suprimento desses programas na Caixa passaram a disponibilizar um crédito assemelhado ao cheque especial, porquanto seus saldos, ao longo do período fiscalizado, foram quase sempre negativos.
24. De acordo com informações fornecidas pelo Departamento de Supervisão Bancária do Bacen, o saldo total desses passivos ao final do mês de agosto de 2014 era de R$ 1,74 bilhão, assim composto:
(i) Bolsa Família: R$ 717,3 milhões; (ii) Abono Salarial: R$ 936,2 milhões; e (iii) Seguro Desemprego: R$ 87 milhões.
25. Com relação ao PMCMV, os orçamentos aprovados desde o ano de 2010, bem como o projeto para o ano de 2015, previam que as despesas com as subvenções econômicas desse programa seriam financiadas com recursos da chamada “fonte 100”, que representa recursos livres e ordinários arrecadados pelo Tesouro ao longo do respectivo exercício financeiro.
26. Entretanto, o pagamento dessas subvenções de responsabilidade da União vem ocorrendo por intermédio de adiantamentos concedidos pelo FGTS, na forma autorizada pelo art. 82-A da Lei 11.977/2009, utilizando-se a fonte de recursos “operação de crédito interna”.
27. Desse modo, do montante de R$ 7,8 bilhões despendidos com subsídios concedidos no programa entre 2009 e 2014, apenas R$ 1,6 bilhão foi repassado pela União ao FGTS, conforme atestam dados encaminhados pela CAIXA. Ou seja, dos R$ 7,8 bilhões que deveriam ter sido pagos aos mutuários, apenas R$ 1,6 foi desembolsado pela União, sendo que o restante, no montante de R$ 6,2 bilhões, foi pago com recursos do FGTS, a título de adiantamento.
28. Note-se que, nesse caso específico, o pagamento de dívidas pelo FGTS deu-se sem a devida autorização em Lei Orçamentária Anual ou em Lei de Créditos Adicionais, requerida no art. 167, inciso II, da Constituição da República e o art. 5º, § 1º, da LRF, caracterizando a execução de despesa
sem dotação orçamentária.
29. Quanto ao pagamento das despesas correspondentes à subvenção econômica de equalização de taxa de juros no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que era feito semestralmente, os atrasos começaram no 2° semestre de 2010, sendo que, a partir de então, até o 1º semestre de 2014, não houve mais nenhum repasse da União ao BNDES atinente a tal dispêndio.
30. Em 10 de abril de 2012, quando o saldo a pagar devido pela União montava a R$ 6,7 bilhões, foi editada a Portaria 122/2012, prorrogando por 24 meses o prazo para pagamento das dívidas. A tabela 15 do relatório precedente mostra que, sem a postergação estabelecida na mencionada portaria, em junho de 2014, o saldo a pagar com a equalização da taxa de juros montaria a R$ 19,6 bilhões.
31. Todas essas movimentações financeiras e orçamentárias acarretaram, evidentemente, o surgimento de passivos do Governo Federal junto à Caixa, ao FGTS e ao BNDES, em cujos balanços constam devidamente registrados tais haveres, a débito do Tesouro Nacional. Ou seja, no bojo dessas operações, créditos foram efetivamente auferidos pela União, à margem da Lei Complementar 101/2000 (LRF).
32. Uma vez caracterizados como operações de crédito, tais procedimentos violam restrições e limitações impostas pela LRF.
33. Primeiro, porque, no que se refere aos recursos disponibilizados pela Caixa e pelo BNDES, envolvem instituições financeiras públicas controladas pelo ente beneficiário dos valores, contrariando o art. 36 da LRF, segundo o qual é “proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo ”. Depois, porque não atendem às formalidades requeridas no art. 32 da referida lei, em especial a necessidade de prévia e expressa autorização no texto da lei orçamentária para sua contratação, estabelecida no inciso I do § 1° do referido artigo. E, ainda, porque, circunstancialmente, infringem a vedação do art. 38, inciso IV, alínea “b”, da Lei, que proíbe a contratação de crédito por antecipação de receita no último mandato do Presidente da República…
… 36. Outra questão relevante atinente à formação desses passivos é que eles não estão registrados pelo Bacen no rol de obrigações da Dívida Líquida do Setor Público – DLSP, o que faz com que despesas da ordem de bilhões de reais, vinculadas a programas e ações importantes do Governo Federal, sejam captadas somente no mês dos repasses efetuados pela União, e não naquele em que foram efetivamente realizadas, acarretando distorções significativas no resultado fiscal primário e no montante da dívida pública.
37. Tomemos por exemplo os programas do Governo operados pela Caixa. O Tesouro deixa de repassar os valores a serem pagos, mas a instituição financeira efetua os pagamentos aos beneficiários, passando a ser credora da União pelo valor correspondente. Como esse passivo do Tesouro junto à Caixa não está abrangido nas estatísticas de endividamento utilizadas pelo Bacen, os adiantamentos feitos pelo banco também não são captados no resultado primário apurado pela autarquia. Ou seja, muito embora os benefícios estejam sendo pagos, por intermédio da Caixa, não são contabilizados como despesas no resultado primário da União, por meio da elevação da dívida do Tesouro junto à instituição financeira. Assim, somente no mês em que a União paga à Caixa pelos adiantamentos feitos é que os dispêndios são computados nas estatísticas oficiais, quando o correto é a contabilização da despesa e do consequente endividamento da União no mês do pagamento efetuado pela Caixa.
O Acórdão do Tribunal de Contas da União é extenso, porém, o trecho acima transcrito mostra bem que o Governo Federal fez empréstimos vedados de Instituições Financeiras Públicas, quais sejam, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal e, como se não bastasse, realizou a maior parte desses empréstimos em ano eleitoral.
Tal fato, por si só, já fere a Lei de Responsabilidade Fiscal e constitui crime comum e de responsabilidade. No entanto, a situação se revelou ainda mais séria, pois, como se depreende dos itens em destaque, os débitos foram contabilizados pelos bancos, entretanto, não foram contabilizados pelo Tesouro Nacional, criando uma falsa sensação de higidez nas contas públicas, fato que, como asseverado na denúncia ofertada em 1º. de Setembro do ano corrente, fora alardeado pela denunciada durante toda a campanha eleitoral.
Em representação criminal ofertada perante a Procuradoria Geral da União, em petição elaborada pelo denunciante Miguel Reale Júnior, cuja íntegra fora juntada com a inicial, restou evidenciado que as práticas constatadas pelo Tribunal de Contas da União caracterizam os crimes comuns capitulados nos Artigos 359-A e 359-C do Código Penal, ambos contrários às finanças públicas; na mesma representação, asseverou-se que também se caracterizara o crime previsto no artigo 299 do mesmo Código Penal, qual seja falsidade ideológica, haja vista a deliberada omissão dos débitos na escrituração.
No entanto, como já consignado na exordial, tal prática também caracteriza crime de responsabilidade, haja vista a flagrante afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal e, por conseguinte, ao Orçamento. Vejamos.
As operações de crédito firmadas com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil não só não estavam autorizadas, como eram expressamente vedadas pelo artigo 36, “caput”, da Lei de Responsabilidade Fiscal, in verbis:
Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.
A inadmissibilidade dos fatos em apreço não se lastreia apenas no artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Também o artigo 38 da Lei de Responsabilidade Fiscal veda expressamente a realização de crédito por antecipação, enquanto existir operação da mesma natureza não resgatada, sendo certo que coíbe esse tipo de operação no último ano de mandato do Presidente, do Governador ou do Prefeito Municipal. Confira-se:
Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:
I – realizar-se-á somente a partir do décimo dia do início do exercício;
II – deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de cada ano;
III – não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação, obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir;
IV – estará proibida:
a) enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada;
b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.
Ainda que o Governo Federal estivesse autorizado a realizar operações de crédito com bancos públicos (e não está), jamais poderia efetuá-las, sucessivamente, ou seja, sem resgatar as anteriores e, frise-se, em nenhuma hipótese, poderia ter aceitado a antecipação de receita no último ano de mandato da Presidente da República, como ocorrera no caso dos autos. A proibição, portanto, é tripla!
Como consignado na denúncia, além de caracterizar crimes comuns, as chamadas pedaladas fiscais caracterizam crimes de responsabilidade, uma vez que o artigo 85 da Constituição Federal determina que:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I – a existência da União;
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.
A Lei 1.079/50, por sua vez, que confere concretude material e formal a esse dispositivo constitucional, estatui, em seu artigo 4º.:
Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:
I – A existência da União:
II – O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados;
III – O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
IV – A segurança interna do país:
V – A probidade na administração;
VI – A lei orçamentária;
VII – A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;
VIII – O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89).
Nota-se que tanto a Constituição Federal, assim como o artigo 4º. da Lei 1.079/50, dizem ensejar o impedimento do Presidente da República o fato de este atentar contra a probidade na Administração e contra a lei orçamentária.
No entanto, por força de alterações ocasionadas pela Lei 10.028/00, a clareza da ocorrência do crime de responsabilidade resta ainda maior, pois o artigo 10 passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:
1- Não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da República dentro dos primeiros dois meses de cada sessão legislativa;
2 – Exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento;
3 – Realizar o estorno de verbas;
4 – Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.
5) deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal;
6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;
7) deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei;
8) deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro;
9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;
10) captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido;
11) ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou;
12) realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei.
Art. 11. São crimes de responsabilidade contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos:
1) ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observância das prescrições legais relativas às mesmas;
2) abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais;
3) contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal;
4) alienar imóveis nacionais ou empenhar rendas públicas sem autorização em lei;
5) negligenciar a arrecadação das rendas, impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional.
Desde logo é importante consignar que o simples fato de ter a Presidente descumprido os comandos dos artigos 36 e 38 da Lei de Responsabilidade Fiscal e, mediante tal prática, incorrido nos crimes capitulados nos artigos 359-A e 359-C do Código Penal, já seria suficiente para caracterizar o crime de responsabilidade. No entanto, as práticas constatadas pelo Tribunal de Contas da União realizam, perfeitamente, os crimes previstos na Lei 1.079/50. Valendo lembrar que a doutrina aponta se tratarem os crimes comuns e de responsabilidade de infrações de naturezas diversas e, portanto, independentes, como segue:
“A recentíssima Lei 10.028, de 19 de outubro de 2000, tipificou os comportamentos que passam a ser crimes. Já não haverá mera infração administrativa, no caso de descumprimento das determinações legais. Passa o comportamento do agente público a ter tal relevância no setor financeiro que o descumprimento das normas estabelecidas na lei de responsabilidade fiscal não só enseja sanção civil, como passa, agora, a constituir crime. Em sendo assim, há a infração política, que pode ensejar o impeachment, mediante julgamento pelo Legislativo, bem como há a infração civil, que enseja indenizações e cassação e mandato através do Judiciário, bem como passa a existir o crime de caráter financeiro” (Regis Fernandes de Oliveira.Responsabilidade Fiscal. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2002. p. 105 e 106, destacamos).
“Quando o autor da conduta for o Presidente da República, cometerá igualmente crime de responsabilidade, conforme dispõe o art. 10 da Lei n. 1.079/50, alterada pela Lei n. 10.028/2000. Note que os “crimes de responsabilidade” definidos no Diploma aludido não têm natureza penal (mas político-administrativa), a despeito de sua terminologia, motivo por que a imputação ao mandatário da Nação do crime capitulado no art. 359-A do CP e do ato descrito na Lei n. 1079/50 não configurará bis in idem” (André Estefam. Direito Penal – Parte Especial (arts. 286 a 359-H)- Volume 4, São Paulo: Saraiva, 2011. p. 437, destacamos).
Acerca da possibilidade de conviverem crimes comuns contra as finanças públicas e crimes de responsabilidade, cumpre destacar que, em palestra ministrada em outubro de 2001, durante o 7o. Seminário do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) (DVD 400 C), José Eduardo Martins Cardoso, atual Ministro da Justiça, fez uma explanação bastante ampla sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal. Conquanto tenha tecido algumas críticas à Lei, o palestrante, em mais de uma oportunidade, disse dever a Lei ser aplaudida, por forçar o administrador público ao planejamento, sob pena de sanções drásticas, de diversas ordens. E aduziu ter vindo a Lei coibir a prática irresponsável de contrair dívidas em ano eleitoral, deixando um pacote de dívidas para o sucessor, afirmando ser um dos pontos mais positivos da lei a necessidade de respeitar-se a lei orçamentária. Mais ainda: ao referir as sanções ao desrespeito à Responsabilidade Fiscal, Dr. Cardoso foi enfático ao sublinhar que o descumprimento da lei de responsabilidade fiscal enseja sanções penais e até o impeachment. Sua visão acerca da Lei de Responsabilidade Fiscal era tão rígida que, na ocasião, chegou a defender que se aplicaria até às Fundações de Direito Privado.
Com efeito, em inobservância ao quanto determinado pelo artigo 10, número 6, da Lei 1.079/50, cabe imputar à Presidente da República a prática, reiterada de sua administração, de contrair empréstimos vedados e de deixar de efetuar o devido registro das despesas realizadas.
Como se não bastasse, ao arrepio do determinado pelo artigo 10, número 7, da Lei 1.079/50, deixou a Presidente da República de ordenar o cancelamento das operações de crédito feitas ilegalmente.
Igualmente, contra o que determina o artigo 10, número 8, da Lei 1.079/50, a Presidente não promoveu a liquidação das operações ilegais, até o encerramento do exercício financeiro. Ressalte-se que tal fato fica bastante evidente no relatório apresentado pelos técnicos que efetivaram a inspeção nos órgãos federais (documento constante do CD anexo).
O artigo 10, número 9, por sua vez, veda expressamente autorizar a realização de operação de crédito com qualquer dos entes da federação, inclusive entidades da administração direta, sendo certo que o artigo 11, número 3, da Lei 1.079/50 proíbe contrair empréstimo sem autorização legal.
Como asseverado na inicial, nota-se, à toda evidência, que além de se ter caracterizado crime de responsabilidade por violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, as chamadas pedaladas conformam perfeitamente os crimes de responsabilidade que atentam contra a lei orçamentária.
Ademais, como asseverado na denúncia, no Acórdão do TCU e na Audiência Pública, cuja ata ora é juntada, além de fazer os empréstimos vedados, a Presidente da República determinou, por meio de estreita relação havida com o Secretário do Tesouro Nacional Arno Augostin, que esse débito não fosse escriturado, incorrendo em verdadeira falsidade ideológica e, por conseguinte, em flagrante afronta à probidade na administração, protegida pelo artigo 85, inciso V, da Constituição Federal, pelo artigo 4º., inciso V. da Lei 1.079/50 e pelo artigo 9º., número 7, da Lei 1.079/50, que tutela a honra e o decoro no exercício das funções públicas.
Com efeito, conforme já consignado, as operações de crédito deixaram de ser corretamente escrituradas pelo Tesouro Nacional, conferindo a quem analisasse as contas públicas a falsa sensação de regularidade. Como bem apontaram o Procurador que atua frente ao Tribunal de Contas da União e os Técnicos responsáveis pela inspeção feita em vários órgãos federais, os Bancos públicos lançavam os créditos que tinham perante o Tesouro; o Governo Federal, por outro lado, deixava de lançar os débitos que tinha perante os bancos públicos. Transformou-se, por via de omissão dolosa – ( o não registro das despesas) – déficit em superávit primário, com graves consequências para a economia, hoje sentidas por todos, especialmente, pela classe mais pobre.
Acerca do desrespeito referente à Lei 1.079/50, cumpre ainda enfatizar que, desde meados de 2014, a ocorrência das ilegalidades descritas já era de conhecimento público, seja por força de reportagens, indevidamente desmentidas pelos órgãos oficiais, seja por meio da própria representação feita pelo Ministério Público, perante o Tribunal de Constas da União, em agosto de 2014. A leitura do relatório de fiscalização mostra, aliás, que os auditores já haviam noticiado os mesmos fatos, em julho de 2014, sem que quaisquer providências fossem adotadas (vide CD com cópia das principais peças dos autos do processo de número 021643/2014-8).
Esse proceder não ocorreu apenas relativamente à Caixa Econômica Federal; deu-se também perante o Banco do Brasil, o BNDES e o FGTS, sem contar os problemas bem especificados no Relatório de Inspeção, referentes aos repasses aos Estados e Municípios.
Da leitura da denúncia ofertada e do quanto consignado no presente aditamento, resta límpido que a Presidente da República incorreu em crimes de responsabilidade, por atentar contra a probidade administrativa e o orçamento. Com relação à probidade, como já delineado, além da falta de decoro consubstanciada na maquiagem das contas públicas, tem-se o fato de a Chefe da Nação ser reincidente na prática de não responsabilizar seus subordinados, chegando a protegê-los, mantendo-os em seus respectivos cargos e negando fatos.
A Audiência Pública realizada pelo Senado Federal, no dia da distribuição da denúncia, revela que os convidados confirmaram, detalhadamente, os crimes objeto do presente feito.
Dos Decretos não Numerados
Além dos fatos já descritos na denúncia, a ata anexa traz à tona a questão referente à edição de vários decretos não numerados, abrindo créditos suplementares, ao que tudo indica, não autorizados pelo Congresso Nacional, fato grave, que também implica a prática de crime de responsabilidade.
Com efeito, consta que, no final de 2014, quatorze decretos não numerados foram editados, abrindo créditos suplementares de valores muito elevados, sem a autorização do Congresso Nacional. Em tabela anexa à presente, seguem discriminados tais decretos.
Como se pode observar da tabela anexa, os valores de créditos suplementares objeto de decretos não numerados da denunciada foram da ordem de R$ 18.448.483.379,00 (dezoito bilhões, quatrocentos e quarenta e oito milhões, quatrocentos e oitenta e três mil, trezentos e setenta e nove reais).
Estes decretos foram publicados após a constatação, pelo Tesouro Nacional, de que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual não haviam sido cumpridas, como revelado pelo Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 5º Bimestre de 2014, do Tesouro Nacional.
No Relatório consta, expressamente, que:
“11. Assim como o ocorrido com a grande parte dos países, o cenário internacional teve significativa influência sobre a economia brasileira. A redução do ritmo de crescimento da economia brasileira afetou as receitas orçamentárias de forma que se faz necessário garantir espaço fiscal para preservar investimentos prioritários e garantir a manutenção da competitividade da economia nacional por meio de desonerações de tributos. O nível das despesas também foi influenciado por eventos não‐recorrentes, como o baixo nível de chuvas e secas verificadas em diversas regiões do país.
12. Nesse contexto, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional, por intermédio da Mensagem nº 365, de 10 de Novembro de 2014, Projeto de Lei que altera a LDO‐2014 (PLN nº 36/2014) no sentido de ampliar a possibilidade de redução da meta de resultado primário no montante dos gastos relativos às desonerações de tributos e ao PAC. Ou seja, em caso de aprovação do referido projeto, o valor que for apurado, ao final do exercício, relativo a desonerações e a despesas com o PAC, poderá ser utilizado para abatimento da meta fiscal. O presente relatório já considera o projeto de lei em questão, indicando aumento de R$ 70,7 bilhões na projeção do abatimento da meta fiscal. Isso posto, o abatimento previsto, neste Relatório, é de R$ 106,0 bilhões, o que é compatível com a obtenção de um resultado primário de R$ 10,1 bilhões. (GRIFAMOS)
A partir destas informações resta claro que o resultado das metas estabelecidas pela LDO (resultado primário) não estavam sendo cumpridas pelo Governo Federal, tanto que o resultado das metas de superávit primário foram alterados por meio do mencionado PLN 36/2014 (transformado na Lei nº 13.053/2014) – projeto esse apresentado no Congresso Nacional no dia 11 de novembro de 2014, cuja mensagem ao Congresso foi redigida em 5 de novembro de 2014, como consta da proposição apresentada – que alterou a LDO/2014 (Lei 12.919/2013) e que assim dispõe:
LEI Nº 13.053, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2014.
Altera a lei no 12.919, de 24 de dezembro de 2013, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2014.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A lei no 12.919, de 24 de dezembro de 2013, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 3o A meta de resultado a que se refere o art. 2o poderá ser reduzida até o montante das desonerações de tributos e dos gastos relativos ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, cujas programações serão identificadas no projeto e na Lei Orçamentária de 2014 com o identificador de resultado primário previsto na alínea “c” do inciso II do § 4o do art. 7o desta lei. …………………………………………………………” (NR)
Art. 2o Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 15 de dezembro de 2014; 193o da Independência e 126o da República.
A partir da aprovação desta lei a meta fiscal foi reduzida em até R$ 67 bilhões, como se pode verificar da mensagem ao PLN 36/2014, que dispõe:
EM nº 00206/2014 MP
Brasília, 5 de Novembro de 2014
Excelentíssima Senhora Presidenta da República,
1. Ao longo de 2014, foi revisada para baixo a previsão de crescimento da economia brasileira para este ano quando comparada à utilizada no início de 2013, para elaboração do Projeto de Lei de Diretrizes orçamentárias de 2014. Esta revisão para baixo da previsão de crescimento tem ocorrido em diversos países, levando instituições e organismos internacionais a revisarem para baixo a estimativa de crescimento da economia mundial para este ano de 2014.
2.A redução do ritmo de crescimento da economia brasileira afetou as receitas orçamentárias de forma que se faz necessário garantir espaço fiscal para preservar investimentos prioritários e garantir a manutenção da competitividade da economia nacional por meio de desonerações de tributos. As políticas de incentivos fiscais e a manutenção do investimento tornaram se imprescindíveis para minimizar os impactos do cenário externo adverso e garantir a retomada do crescimento da economia nacional.
3. Neste sentido, a proposta encaminhada consiste em ampliar a possibilidade de redução do resultado primário no montante dos gastos relativos às desonerações de tributos e ao Programa de Aceleração do Crescimento -PAC. Para isto propõe-se a alteração da Lei nº12.919, de 24 de dezembro de 2013, que “Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2014 e dá outras providências”, que estabelece no caput do art. 3º que a meta de superávit primário poderá ser reduzida em até R$ 67.000.000.000,00 (sessenta e sete bilhões de reais), valores esses relativos às desonerações de tributos e ao Programa de Aceleração do Crescimento -PAC, cujas programações serão identificadas no Projeto e na Lei Orçamentária de 2014 com identificador de Resultado Primário previsto na alínea “c” do inciso II do § 4ºdo art. 7ºdesta Lei.
4.Diante do exposto, submeto à consideração de Vossa Excelência a anexa proposta de Projeto de Lei que altera o caput do art. 3ºda Lei nº12.919, de 24 de dezembro de 2013, que “Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2014 e dá outras providências”. (GRIFAMOS).
Portanto, resta comprovado que o Governo Federal, desde o dia 05 de novembro de 2014, pelo menos, já tinha conhecimento que a meta de superávit primário prevista na LDO não estava sendo cumprida, data a partir da qual foram expedidos os decretos acima especificados.
A ilícita prática deu ensejo à formulação do requerimento de número 12/2015, por parte dos Deputados Pauderney Avelino e Professora Dorinha Seabra Rezende, nos seguintes termos:
“Requeiro a Vossa Excelência que solicite ao Tribunal de Contas da União – TCU, com base no art. 49, IX e 166, § 1º, da Constituição, que aprecie, para efeito de elaboração do Parecer Prévio previsto no art. 71, I da Constituição, referente ao exercício de 2014, os fatos já apontados pelo Ministério Público de Contas no âmbito do processo TC 021.643/2014-8, conforme Requerimento de 17 de junho de 2015, no âmbito do TC 005.3352015-9; ou seja, se os decretos editados, pela Presidente da República, para abertura de créditos suplementares à lei orçamentária de 2014, no período de 5 de novembro de 2014 até 14 de dezembro de 2014, encontravam-se amparados pelo disposto no art. 4º do texto da lei orçamentária para 2014 (Lei nº 12.952, de 20 de janeiro de 2014), uma vez que tais créditos, no momento em que foram editados, podem ser considerados incompatíveis com a obtenção da meta de resultado primário então vigente.
Ressalta-se que essa possibilidade de ter havido infração a dispositivo da lei orçamentária de 2014 foi objeto da Denúncia apresentada junto ao TCU em 18/12/14, identificada pelo protocolo 52.261.129-6, de autoria do Sen. José Agripino Maia, Presidente do Democratas; do Senador Aécio Neves, Presidente do Partido da Social Democracia Brasileira; do Deputado Roberto Freire, Presidente do Partido Popular Socialista; e do Deputado Beto Albuquerque, Líder do Partido Socialista Brasileiro” (cópia do inteiro teor anexa).
Em sede de Memorial, cuja cópia segue anexa, o Procurador Junto ao Tribunal de Contas da União, Dr. Júlio Marcelo de Oliveira, claramente consignou:
“Além das omissões intencionais na edição de decretos de contingenciamento em desacordo com o real comportamento das receitas e despesas do país, houve ainda edição de decretos para abertura de créditos orçamentários sem a prévia, adequada e necessária autorização legislativa, violando a Lei Orçamentária anual, a LRF e a Constituição da República” (grifos no original).
O art. 167, inciso V, da Constituição Federal, estabelece ser vedada a ABERTURA DE CRÉDITO SUPLEMENTAR sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes. Se ocorrer, incide-se no art. 10, número 6, da Lei n. 1079 que, como visto, tipifica como crime de responsabilidade ordenar ou autorizar abertura de crédito sem fundamento na lei orçamentária ou sem autorização legislativa.
Diante do quanto narrado na exordial e das especificações constantes da presente, os denunciantes reiteram o pleito de que V. Excelência receba a acusação, para que a Câmara dos Deputados possa autorizar que a Sra. Presidente da República seja julgada perante o Senado Federal, pelos crimes de responsabilidade que cometera, quais sejam, aqueles capitulados nos artigos 85, incisos V, VI e VII, da Constituição Federal; nos artigos 4º., incisos V e VI; 9º. números 3 e 7; 10, números 6, 7, 8 e 9; e 11, número 3, da Lei 1.079/50, sendo, ao final, condenada à perda do cargo e à inabilitação, pelo prazo de oito anos.
Ainda acerca da possibilidade jurídica do Impeachment:
Relativamente ao cabimento do pedido, na esteira do asseverado na denúncia, lembra-se que os fatos objeto do presente feito alcançaram o segundo mandato da denunciada; entretanto, ainda que tais fatos tivessem ocorrido exclusivamente no primeiro mandato o impedimento seria de rigor, pois o instituto da reeleição estabelece ao mandatário reeleito a continuidade de gestão, de modo que os atos praticados no primeiro mandato surtem efeitos no seguinte, de igual responsabilidade do Presidente da República.
O fundamento desta responsabilidade continuada decorre, justamente, do fato de que a reeleição é, em verdade, uma continuidade administrativa, mantendo-se o vínculo entre as legislaturas. Nesse sentido:
“A reelegibilidade, como bem asseverado pelo Ministro Carlos Velloso, assenta-se em um postulado de continuidade administrativa. ‘É dizer – nas palavras do Ministro Carlos Velloso – a permissão da reeleição do Chefe do Executivo, nos seus diversos graus, assenta-se na presunção de que a continuidade administrativa, de regra, é necessária” (ADI-MC 1.805, acima referida).” (Gilmar Mendes Ferreira. o. c., pg. 732).
A natureza política da cassação de mandato eletivo pelas Casas Legislativas foi fundamento determinante para o Supremo Tribunal Federal estabelecer que nem mesmo o princípio da unidade de legislatura representa obstáculo constitucional a que as Casas legislativas venham, ainda que por fatos anteriores à legislatura em curso, a instaurar – contra quem já era titular de mandato na legislatura precedente – procedimento de caráter político-administrativo, destinado a viabilizar a decretação da perda do mandato (Min. CELSO DE MELLO, MS -24.458 DF).
Duas são as decisões do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento de mandados de segurança impetrados por parlamentares que respondiam no Conselho de Ética, por quebra de decoro parlamentar relativa a atos praticados na legislatura anterior. Em ambas, a Suprema Corte firmou entendimento de que ilícitos realizados em mandato anterior podem ser objeto de processo disciplinar no mandato seguinte, levando à perda do segundo mandato. Confira-se voto do Min. NERI DA SILVEIRA:
“A cristalizar-se o entendimento de que determinada legislatura não pode conhecer de fatos ocorridos na anterior, estaremos estabelecendo período de verdadeiro vale-tudo nos últimos meses de todas as legislaturas. Se restarem provados os fatos a ele imputados, deverá esta Casa agir, lançando mão dos princípios constitucionais colocados à sua disposição (quais sejam, o da razoabilidade e o da máxima efetividade das normas constitucionais), além de valer-se dos princípios que lastreiam o sistema jurídico nacional para emitir juízo político, declarando a perda do cargo de Deputado Federal, por parte do representado”. (STF – Mandado de Segurança nº 23.388 – Rel. Min. Néri da Silveira – j. 25.11.1999 – DJ de 20.4.2001).
Importante asseverar que o trecho em destaque do voto proferido pelo ilustre Ministro do STF Néri da Silveira reproduz texto do voto proferido pelo relator do processo de cassação, por quebra de decoro parlamentar, do ex-Deputado Federal Talvane Albuquerque. Constata-se, por conseguinte, que não só o Supremo Tribunal Federal reconhece a possibilidade de se cassar mandato eletivo por prática ocorrida em mandato anterior, como também já há jurisprudência nesta Câmara dos Deputados Federais.
Ainda mais incisivo é o voto do Min. CELSO DE MELLO, cujo teor principal é o seguinte:
“Tenho para mim, ao examinar, em sede de estrita delibação, a pretensão mandamental deduzida pelo ora impetrante – não obstante as razões tão excelentemente desenvolvidas por seus eminentes Advogados – que tal postulação parece não se revestir de plausibilidade jurídica, especialmente em face da existência de decisão plenária, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do MS 23.388/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, ocasião em queesta Suprema Corte, tendo presente situação virtualmente idêntica à que ora se registra neste processo (“Caso Talvane Neto”), rejeitou a tese de que a Casa legislativa não pode decretar a cassação de mandato de qualquer de seus membros, por falta de decoro parlamentar, se o fato motivador dessa deliberação houver ocorrido na legislatura anterior” (MS 24.458 DF).
Essa decisão, emanada do Plenário do Supremo Tribunal Federal, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado:
“Mandado de segurança. 2. Ato da Mesa da Câmara dos Deputados, confirmado pela Comissão de Constituição e Justiça e Redação da referida Casa legislativa, sobre a cassação do mandato do impetrante, por comportamento incompatível com o decoro parlamentar.
3. Pretende-se a extinção do procedimento de perda do mandato. Sustenta-se que a cassação do mandato, para nova legislatura, fica restrita à hipótese de, no curso dessa legislatura, se verificarem condutas, dela contemporâneas, capituláveis como atentatórias do decoro parlamentar. 4. Não configurada a relevância dos fundamentos da impetração. Liminar indeferida. 5. Parecer da Procuradoria-Geral da República pela prejudicialidade do mandado de segurança, em face da perda de objeto; no mérito, pela denegação da ordem. 6. Tese invocada, acerca da inexistência de contemporaneidade entre o fato típico e a competência da atual legislatura, que se rejeita. 7. Não há reexaminar, em mandado de segurança, fatos e provas (…). 9. Mandado de Segurança indeferido.” (grifei)
Cabe destacar, neste ponto, que o princípio da unidade de legislatura – que faz cessar, a partir de cada novo quadriênio, todos os assuntos iniciados no período imediatamente anterior, dissolvendo-se, desse modo, todos os vínculos com a legislatura precedente (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Princípios do Processo de Formação das Leis no Direito Constitucional”, p. 38/39, item n. 14, 1964, RT) – rege, essencialmente, o processo de elaboração legislativa, tanto que, encerrado o período quadrienal a que se refere o art. 44, parágrafo único, da Constituição Federal, dar-se-á, na Câmara dos Deputados, o arquivamento das proposições legislativas, com a só exceção de alguns projetos taxativamente relacionados na norma regimental (Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 105).
Por tal razão, o eminente Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, ao tratar do postulado da unidade de legislatura, examina-o dentre os princípios que informam o processo constitucional de formação das leis.
“Nenhum membro de qualquer instituição da República está acima da Constituição, nem pode pretender-se excluído da crítica social ou do alcance da fiscalização da coletividade.” (STF, MS 24.458, Rel. Min. Celso de Melo, acima citado).
Decorre dessas razões de decidir que a rejeição à comunicação entre as ilegalidades praticadas em um mandato e a responsabilidade no mandato ulterior do reeleito vai de encontro ao princípio republicano, ao princípio da moralidade que alicerça a República, o que se aplica paraquaisquer dos poderes constituídos, pois nenhum deles está alheio à noção de fiscalização e de responsabilidade. Como diz o Ministro Relator, “nenhum membro de qualquer instituição da República está acima da Constituição”.
Assim, quer em razão dos crimes de responsabilidade ocorridos no início deste segundo mandato, quer pelo caráter de continuidade do segundo mandato do Chefe do Executivo reeleito, quer pela continuidade das ilegalidades no início desta legislatura, a responsabilidade da denunciada pelos fatos aqui narrados é incontroversa.
Por óbvio, conforme os ensinamentos do ex-Ministro Carlos Velloso, no julgamento do MS 21.623-9, independentemente da natureza que se confira ao Impeachment, exclusivamente política, ou político-penal, a denunciada deverá gozar de todas as garantias constitucionais:
“Posta assim a questão, quer se entenda como de natureza política o ‘impeachment’ do Presidente da República, ou de natureza político-penal, certo é que o julgamento, que ocorrerá perante o Senado Federal, assim perante um Tribunal político, há de observar, entretanto, determinados critérios e princípios, em termos processuais, jurídicos. Esta afirmativa, quer-me parecer, tem o endosso de Paulo Brossard”.
No entanto, não se pode perder de vista a natureza prevalentemente política do Impeachment, que permite que cada parlamentar vote de acordo com sua consciência, não ficando adstritos aos mesmos rigores jurisdicionais.
Diante das razões deduzidas na denúncia ofertada em 1º. de Setembro e neste aditamento, tem-se que o seguimento do feito implicará a concretização da Constituição Federal e da lei, ensejando o resgate da probidade na gestão da coisa pública, que é de todos, muito embora venha sendo tratada como se fora de ninguém.
A fim de fortalecer, ainda mais, o conjunto probatório, além da oitiva das testemunhas arroladas na exordial, arrola-se o Excelentíssimo Procurador do Tribunal de Contas da União, Dr. Júlio Marcelo de Oliveira- (SAFS Quadra 4, Lote 1, Edifício Sede, Sala 121, CEP 70.042.900).
Brasil, 16 de setembro de 2015.
HÉLIO PEREIRA BICUDO
MIGUEL REALE JÚNIOR
JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL