Wellington Ramalhoso/ UOL, em São Paulo
Parte dos caminhoneiros que entrou em greve no país passou a pedir intervenção militar e a saída do presidente Michel Temer (MDB), reivindicação criticada por outra parcela da categoria. Caso os militares se animassem com o pedido dos manifestantes e tirassem o emedebista do poder, o país estaria claramente diante de um golpe. De acordo com constitucionalistas, a legislação brasileira não permite intervenções militares que destituam o poder civil.
“Não existe [intervenção militar que não seja golpe]. Toda ação das Forças Armadas no Brasil é regulada pela Constituição e [fica] sob as ordens das autoridades civis. A Constituição permite que as Forças Armadas tenham atuação no campo interno desde que elas sejam convocadas a atuar sob ordens civis”, afirma o professor Oscar Vilhena Vieira, professor de direito constitucional da FGV (Fundação Getúlio Vargas), em São Paulo.
“As Forças Armadas devem obediência às autoridades civis. Qualquer conduta à margem ou acima da autoridade civil seria considerada uma intervenção militar indevida, ou seja, um golpe”, comenta Vilhena.
“Não existe [previsão de] intervenção militar [desse tipo] na Constituição. Isso é sempre uma medida de exceção, uma revolução, um golpe. Qualquer intervenção militar é um golpe de Estado”, corrobora Marcelo Figueiredo, professor de direito constitucional da PUC (Pontifícia Universidade Católica), em São Paulo.
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general da reserva do Exército Sérgio Etchegoyen, afirmou nesta terça-feira (29) que não há a mínima possibilidade de uma intervenção militar no Brasil e não vê as Forças Armadas cogitando a hipótese. “Não vejo nenhum militar, não vejo Forças Armadas pensando nisso”, declarou em entrevista no Palácio do Planalto.
Os caminhos legais para a saída de Temer seriam a renúncia ou um processo de impeachment. Em qualquer um destes casos, quem assumiria o comando do país seria o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Estado de sítio suspenderia liberdade de reunião
A intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro e a decretação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) durante a greve dos caminhoneiros são medidas previstas na Constituição. Em ambas, as Forças Armadas permanecem sob a autoridade civil, que é o presidente.
Em casos de gravidade ainda maior à instabilidade, o governo pode decretar estado de defesa e estado de sítio para preservar ou restabelecer a ordem pública. Mesmo assim, a Constituição prevê regras para isto. “A decretação depende de requisitos. O presidente tem que consultar o Conselho da República e submeter o decreto ao Parlamento”, explica Oscar Vilhena.
Determinados direitos, lembra Marcelo Figueiredo, ficam suspensos com esse tipo de decreto. Um dos que cai é a liberdade de reunião, o que abre caminho para a repressão mais forte a concentrações e bloqueios como os que os caminhoneiros realizaram nas rodovias do país. Desde a aprovação da atual Constituição, em 1988, o governo não recorreu a estas medidas.
Desilusão e desconhecimento
Para o historiador Carlos Fico, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e especialista em ditadura militar e rebeliões populares no Brasil, o pedido dos manifestantes por intervenção é fruto do desconhecimento. “Pelo grau de percepção de política que essas pessoas [que pedem intervenção militar] demonstram, elas não sabem o que estão falando, não sabem o que estão pleiteando. No fundo, elas não têm precisão doutrinária.”
A desilusão com a política, acrescenta Fico, também explica o pedido dos manifestantes. “É uma demanda derivada do desespero com a situação geral do país, com anos de não atendimento das questões básicas dos serviços públicos, como saúde e educação, e do desencanto com a política.”
O pesquisador ressalta que a intervenção militar reivindicada por caminhoneiros e outros manifestantes não deve ser confundida com as medidas constitucionais que preveem o uso das Forças Armadas sob a autoridade civil, mas critica o fato de o governo Temer recorrer com frequência a estes expedientes.
“É grave que um governo tão impopular e discutível como o atual recorra a essas medidas porque elas deveriam ser usadas em situação muito graves. O governo usa essas medidas de maneira banal e você não vê resultados concretos.”