Josias de Souza
O presidenciável Jair Bolsonaro provocou uma saia justa durante sabatina transmitida pela Globonews na noite desta sexta-feira. Questionado sobre a ditadura militar, o ex-capitão injetou em sua resposta um elogio ao patriarca do grupo Globo, Roberto Marinho, por um editorial publicado na capa de O Globo, em 1984, apoiando o golpe de 1964. No final do programa, a mediadora Míriam Leitão leu uma nota oficial. O texto reconheceu que “O Globo apoiou editorialmente o golpe”. Mas realçou que, em 2013, o jornal veiculou outro editorial, no qual reconheceu o erro.
Bolsonaro citou Roberto Marinho em resposta a uma indagação feita por Roberto D’Ávila. O entrevistador lembrou que o candidato havia declarado que não houve uma ditadura no Brasil. E perguntou: “Como podemos imaginar que o senhor, presidente da República, não vai fazer atos ditatoriais?”
“Quem sempre quis o controle social da mídia foi o PT, não fui eu”, respondeu Bolsonaro. “Uma das marcas da ditadura é ter uma imprensa única. A TV Globo nasceu em 1965. A revista Veja nasceu em 1968.”
Bolsonaro prosseguiu: “Quero elogiar, saudar a memória do senhor Roberto Marinho. Editorial de capa do jornal O Globo, de 7 de outubro de 1984. Abre aspas para o senhor Roberto Marinho: ‘Participamos da revolução de 1964, identificada com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, distúrbios sociais, greves e corrupção generalizada.’ Fecha aspas.”
Bolsonaro devolveu a pergunta: “O senhor Roberto Marinho foi um democrata ou um ditador?” A provocação do candidato do PSL era absolutamente previsível. Ele já havia citado o editorial de O Globo nas redes sociais. Repetira a menção na última segunda-feira, em entrevista para o programa Roda Viva, da TV Cultura. A despeito disso, a atmosfera de improviso que marcou o término da sabatina revelou que a equipe da Globonews deixou-se surpreender.
Embora Míriam Leitão tivesse anunciado o término da sabatina, o programa permaneceu no ar. Sem saber que continuava sendo filmado, Bolsonaro excedia-se nos gracejos. ”Vou ter dois ministros nessa sala”, disse, entre risos, aos repórteres que o rodeavam. “Vou dar um abraço hétero no Gabeira”, acrescentou, com a língua destravada.
Súbito, Míriam pôs a ler a nota: “O candidato Jair Bolsonaro disse há pouco que o Roberto Marinho, em editorial de 1984, afirmou que participava do que chamava de revolução de 64, identificado com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas. É fato. Como todos os grandes jornais da época, com exceção da Última Hora, O Globo apoiou editorialmente o golpe, com o objetivo reiterado de Roberto Marinho 20 anos depois.”
A leitura de Míriam era entrecortada por pausas inusuais, como se o texto estivesse sendo ditado por meio de um ponto eletrônico. A jornalista prosseguiu: “O candidato Bolsonaro esqueceu-se, porém, de dizer que, em 30 de agosto de 2013, O Globo publicou um editorial em que reconheceu que o apoio ao golpe de 64 foi um erro. Nele, o jornal disse não ter dúvidas de que o apoio pareceu aos que dirigiam o jornal na época e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país. E finaliza com essas palavras o editorial: ‘À luz da história, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editorias no período, que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E corre risco. E ela só pode ser salva por si mesma’.”