Uma nova leva de diálogos apresentados pela defesa do ex-presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (4/3) indica que Cármen Lúcia, então presidente da Corte, teria se movimentado nos bastidores durante a guerra de liminares que quase levou à soltura de Lula em julho de 2018.
Nelson Jr./SCO/STF
Deltan Dallagnol atribuiu a Cármen Lúcia tentativa de interferência na decisão que ordenava soltura de Lula
Em um trecho da conversa entre procuradores, Deltan Dallagnol afirma que “Cármen Lúcia ligou para Jungman e mandou não cumprir e teria falado tb [também] com Thompson”. Raul Jungmann era ministro da Justiça, comandando, portanto, a Polícia Federal, e Thompson é Thompson Flores Lenz, então presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
À ConJur, o ex-ministro Raul Jungmann afirmou que Cármen não deu ordem para que ele desobedecesse a decisão que determinava a soltura de Lula. Ele disse também que nunca falou com Dallagnol.
À jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, Jungmann ainda disse que ele recebeu um telefonema de Cármen, mas “ela em nenhum momento me pediu absolutamente nada. Ela é juíza. Ela sabe que eu nada poderia fazer, nem para soltar, nem para manter alguém preso. Seria um crime, seria obstrução de Justiça”. Ele afirmou que vai interpelar Deltan para que o procurador “confirme ou desminta isso”.
A ConJur também entrou em contato com o gabinete da ministra para que ela se pronunciasse sobre o assunto, mas ainda não obteve resposta.
Bastidores da guerra
As conversas mostram a movimentação dos procuradores no dia 8 de julho de 2018, depois que o desembargador de plantão do TRF-4, Rogério Favreto, mandou soltar o ex-presidente, que estava preso desde 7 de abril.
“Precisamos que o presidente do TRF suspenda. Vou ligar pra PF pra pedir pra não cumprir. Orientação do Gebran [Neto, desembargador] é que a PF solte se não vier decisão do presidente do TRF”, disse Deltan Dallagnol, então chefe da “lava jato” paranaense. Em seguida ele complementa: “Pedi pra PF segurar” a soltura. O presidente do TRF-4 citado na mensagem é o desembargador Thompson Flores Lenz.
Depois de ligar para a PF, Dallagnol foi atrás de Maurício Valeixo, então superintendente da Polícia Federal. “Falei com Valeixo agora, seguem segurando. Estão em contato com o TRF tbm [também].”
Além da articulação com a PF e com desembargadores do TRF-4, Dallagnol também comentou a atuação do então juiz Sergio Moro, que tinha expedido despacho dizendo que Favreto era incompetente para decidir. “Moro tb não tem mais o que fazer. Agora dependemos de Vcs e da presidência”, disse, fazendo pressão na Procuradoria Regional do MPF.
A conversa mostra que os procuradores estavam atirando para todos os lados. Uma fala do então coordenador da “lava jato” resume isso. “Nossa palavra não faz verão. Precisamos de uma decisão. Qq [qualquer] que seja”.
Mais tarde, Dallagnol informou que uma “petição autônoma” já havia sido distribuída e logo viria uma decisão mantendo a prisão de Lula. “Tá fechando. Vai distribuir como petição autônoma. Thompson já está esperando.”
O pedido para manter a prisão foi enviado ao então presidente do TRF-4 por WhatsApp, segundo informou o procurador Carlos Augusto da Silva Cazarré.
Dallagnol então diz: “Valeixo [diretor da PF] falou com Thompson, que mandou não cumprir [a ordem de soltura] até ele decidir. Isso nos dá mais tempo”.
A decisão desfavorável a Lula veio pouco depois e o ex-presidente permaneceu preso. O ex-chefe da força-tarefa no Paraná comemorou: “É teeeetraaaa. Decisão assinada”.