SÃO PAULO – Quase quatro meses após a divulgação da delação da JBS, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ainda não abriu procedimentos disciplinares para apurar suspeitas envolvendo escritórios de advocacia mencionados nos depoimentos da empresa.
De acordo com os delatores, o pagamento de notas frias a advogados pelo país foi um dos principais meios de repasse de propina a políticos.
Após a divulgação do caso, em maio, o presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia, pediu informações sobre o assunto ao Supremo Tribunal Federal — era o primeiro passo para avaliar a possibilidade de punições disciplinares aos envolvidos. Até agora, porém, nenhuma sanção foi aplicada e os casos seguem sem uma apuração interna formal.
Ricardo Saud, lobista da JBS, disse em sua delação tratou de pagamentos com notas falsas com “mais de cem escritórios de advocacia”. A reportagem apurou, porém, que na verdade foram 17 escritórios citados até agora pelos executivos da JBS.
A relação entre as empresas de Joesley e Wesley Batista com os escritórios é detalhada em documentos entregues pelos delatores à Justiça. Os escritórios indicados como recebedores de propina estão localizados em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Bahia e Pará.
Em uma planilha de 12 páginas com dados dos pagamentos a políticos e partidos na campanha de 2014, escritórios são citados como beneficiários de quantias — em alguns casos milionárias — em nome dos candidatos.
Entre os repasses ao partido Pros, por exemplo, consta na planilha um pagamento de R$ 1,7 milhão para João Leite Advocacia.
O advogado integrou a direção da sigla desde a sua fundação e, na Justiça Eleitoral, acusou o presidente do partido, Eurípedes Júnior, de gastar ilegalmente o dinheiro do fundo partidário.
Os documentos da delação também incluem cópias dos contratos, notas fiscais e comprovantes de pagamento a advogados pelo país. Os termos dos contratos sugerem uma prestação de serviços corporativa para a JBS, com termos genéricos como “consultoria jurídica” e “assessoria tributária” e até ambiental.
Um contrato de R$ 900 mil firmado pela JBS e o escritório mineiro Moura e Siqueira, por exemplo, falava em serviços de “advocacia contenciosa”. Segundo os delatores, porém, o dinheiro serviu para beneficiar, na campanha, o atual vice-governador de Minas, Antonio Andrade, do PMDB.
Outro compromisso assinado, de R$ 1 milhão, foi fechado com o escritório Andrade e Oliveira Advogados. O beneficiário final, segundo a delação, era a candidatura de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que hoje está preso.
Outro contrato, de R$ 1,2 milhão, foi firmado com a Erick Pereira Advogados para “sugestões temáticas referentes a processos trabalhistas” em tramitação no Tribunal Superior do Trabalho. Mas os recursos eram destinados, segundo a delação, para o deputado federal Fábio Faria (PSD-RN).
Todos esses acordos foram fechados no período da campanha eleitoral de 2014.
Saud também falou que o escritório Andrade, Antunes e Henriques Advogados foi usado para pagar um “mensalinho” de R$ 300 mil ao atual governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), entre 2013 e 2014.
Um executivo da JBS disse à Folha, sob a condição de anonimato, que os pagamentos a esses escritórios não saíam do departamento jurídico da empresa, como é comum em assuntos jurídicos, mas sim do orçamento da presidência da companhia.
A crise política provocada pela delação da JBS fez a OAB nacional encaminhar um pedido de impeachment de Michel Temer. No ano passado, a Ordem também reagiu às acusações contra o governo Dilma Rousseff e pediu o impeachment da petista.
A OAB nacional diz que “acompanha atenta o desenrolar desses fatos, por isso já solicitou ao STF mais informações sobre as acusações feitas pelos delatores contra os escritórios de advocacia”. “Se houver algum fato concreto envolvendo advogados e escritórios de advocacia em irregularidades, eles serão apurados no âmbito da OAB nos termos do estatuto da advocacia”.
A Folha procurou escritórios mencionados na delação.
Na João Leite Advocacia, ninguém foi localizado para comentar o assunto. O escritório Moura e Siqueira informou que não se manifestaria.
Os escritórios Andrade, Antunes e Henriques e Andrade e Oliveira também não responderam.
A banca Erick Pereira Advogados diz que o escritório não foi incluído na investigação criminal sobre o assunto.
“O escritório comprovou que não existe nota fria, uma vez que os serviços foram efetivamente realizados, de 2014 a 2017, nas áreas civil e penal. Isso é comprovado pelas procurações e petições apresentadas à Justiça, pelos relatórios de balanço e pelas conversas por e-mail e WhatsApp com os clientes.”
O Pros informou que as doações da campanha de 2014 foram declaradas conforme prevê a legislação e que atua “dentro da legalidade”.
Fernando Pimentel negou ter recebido mesada e disse que nunca teve ligação com os advogados citados. Antonio Andrade diz que não teve acesso aos documentos e que o escritório mencionado prestou serviços em causas diversas ao PMDB-MG.
O ex-deputado Henrique Eduardo Alves chamou o depoimento de “absurdo” e “irresponsável”