A primeira metade do mandato do professor Oton Mário, 43, como prefeito de Jaçanã (a 150 km de Natal) teve festa pela derrocada de líderes políticos locais, bate-boca com vereadores e rompimento com a vice —após uma intriga no WhatsApp, ele trancou a sala que ela usava.
A próxima metade dependerá de como essas peças vão se organizar depois do resultado do processo de cassação que a Câmara abriu em julho contra o prefeito, um dos dois eleitos pelo PSOL no país em 2016.
O outro vitorioso da legenda foi em Janduís, também um município potiguar.
Gay e colega de partido do presidenciável Guilherme Boulos, Oton venceu com 49% dos votos após uma campanha barata, na qual o baixo orçamento rendeu a ele o apelido de “Liso”. Andou tanto pedindo voto que perdeu 7 kg.
“Nem o partido acreditava na gente. Achava que era um louco que queria se aventurar”, diz ele ao receber a Folha em seu gabinete numa manhã de quinta-feira, dias atrás.
O prefeito não é psolista fervoroso —nem tem certeza se fará campanha para Boulos. Foi parar na sigla por se identificar com algumas bandeiras, como o apoio à causa LGBT.
“Sou muito cobrado para ser mais militante, mas não foi por causa do partido que venci. Digo [às lideranças]: ‘Vocês estão na capital. As lutas, contextos e demandas são distintas. Aqui no chão, onde as coisas acontecem, é diferente’.”
Na campanha, enquanto a única ajuda vinda do PSOL eram “uns santinhos”, enfrentava ataques, muitos à boca miúda, por ser homossexual.
“Usaram isso para me denegrir. ‘Ah, quem vai ser a primeira-dama?’ É porque não tinham nada contra minha índole.” Segundo ele, que diz estar solteiro, o preconceito só deu as caras durante a disputa. Hoje em dia, é respeitado.
Fala que, na rotina da prefeitura, estão presentes bandeiras do PSOL como “honestidade, não se corromper, não trabalhar com propinas”. Oton circula nas ruas entre acenos e sorrisos e diz que uma pesquisa lhe dá 80% de aprovação.
Então por que a Câmara Municipal abriu um processo de impeachment contra ele?
O prefeito afirma ser vítima de perseguição por ter cortado regalias de vereadores e cruzado o caminho da classe política jaçanaense. “Não aceitam terem perdido para alguém sem tradição”, diz.
No balcão de sua farmácia, em frente à Câmara, o ex-vereador Gilberto Silva, 62 (que já foi do PFL e do PSB), resume: “Toda vida teve toma lá, dá cá. O vício da política é triste. Os vereadores se doeram porque perderam a participação no governo. Foi isso”.
Silva é espectador privilegiado dos protestos às terças, dia de sessão do Legislativo, desde que a cassação entrou na pauta. Vídeos mostram a multidão gritando “não vai ter golpe” e “fora, golpistas”.“A maioria das pessoas está a favor do prefeito”, diz o comerciante. “Quando assumiu, ele foi muito macho em falar: ‘Não preciso de vereador para trabalhar e para cumprir minhas promessas’”, relembra.
Oton afirma que não foi bem isso. Que não menosprezou o Legislativo (como o gesto foi entendido), só falou que são dois poderes independentes e que a relação iria mudar.
O presidente da Câmara, José Gelzo (MDB), nega a troca de favores. “É uma suposição que ele faz. Colegas querem entrar na Justiça para ele provar que acontecia isso, esses agrados.”
Oton diz que suspendeu privilégios como o direito de cada vereador de nomear três servidores no município. “Eles tinham auxílio-medicamento, acesso livre ao posto de gasolina. Abasteciam e a conta vinha para cá, sendo que a Câmara tem recursos”, relata.
Dos nove vereadores, seis votaram a favor de abrir o processo de cassação. A decisão final deve ser em setembro.
A denúncia lista uma série de problemas de ordem administrativa, como irregularidades em licitações e em compras da prefeitura. Oton contestou as acusações no microfone da Câmara e por escrito.
“Sei que eu não fiz nada errado”, diz. “Se tem algum erro, foi feito por pessoas ligadas a mim e por ingenuidade. Não foi para desviar recursos, para enriquecimento ilícito.” Ele sustenta que os fatos poderiam ser investigados em uma CPI, sem apelar direto à cassação, que “é coisa muito séria”.
Oton chegou ao cargo botando gente jovem em cargos de chefia (os secretários, muitos seus ex-alunos, têm em torno de 30 anos) e tentando ouvir os 8.000 habitantes mais do que outros prefeitos.
Entre os feitos cita contratação de médicos, climatização de salas de aula, operação tapa-buraco, revitalização de praças e reforma de calçamentos e do mercado público.
Logo que foi empossado, Oton fez uma varredura em busca de funcionários fantasmas. “Tinha mais de 30 apadrinhados. Até gente que mora em São Paulo e recebia salário”, diz ele. “Passavam de uma gestão para outra.”
A prefeitura está nas mãos dos mesmos grupos há 50 anos. Na parede, a galeria de fotos dos ex-prefeitos repete sobrenomes como Farias e Silva.
O professor derrotou nas urnas um ex-prefeito com dois mandatos no currículo e um ex-presidente da Câmara Municipal —com as candidaturas barradas pela Justiça perto do dia da votação, ambos colocaram as respectivas esposas no lugar.
Oton acusa a vice, Josiane Silva (PV), de tramar o impeachment em parceria com poderosos locais. O estopim da briga, relata, foi a descoberta de que ela vazava conversas do grupo de WhatsApp da prefeitura para um opositor.
Ele diz também que o autor da denúncia, um morador que “mal sabe assinar o nome”, foi usado como laranja. A reportagem procurou Francisco Genilson da Silva por telefone e na casa dele, mas não o achou. Parentes dizem que ele está trabalhando como pedreiro em uma cidade vizinha.
Josiane não vai à prefeitura desde abril, quando a fechadura de sua sala foi trocada. Ela falou à Folha no portão de casa, se defendeu das acusações e disse ser ameaçada pelo prefeito e seus apoiadores.
A vice nega ter intenção de prejudicá-lo para assumir o cargo. Fala que virou alvo por ter feito “um trabalho social como nunca um vice fez” na cidade. “O que faltou nele [Oton] foi humildade. Ele é um ser humano desumano.”
“Eu não posso sair de casa, me xingam em rede social”, afirma, chorando. “Oton abandonou o grupo que colocou ele lá, falou mal de vereador. Aí joga a conta em mim?”