MARINA DIAS
RANIER BRAGON
DE BRASÍLIA
O medo pautará o Congresso enquanto houver Lava Jato. Essa é a avaliação de integrantes do Judiciário diante da forte reação de parte da classe política, que acusa o Supremo Tribunal Federal de criminalizar doações legais.
Ministros de tribunais superiores que assistiram à grita de congressistas após a corte tornar réu o senador e ex-presidente do PMDB Valdir Raupp (RO) apostam, em conversas reservadas, que deputados e senadores votarão neste ano somente medidas “para que não sejam presos”.
Segundo a Folha apurou, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), têm se reunido com líderes de todos os partidos para discutir a melhor maneira de aprovar não só a anistia ao caixa dois, mas também um pacote mais amplo, incluindo anistia a doações oficiais nos casos em que o dinheiro for considerado de fonte ilícita.
No ano passado, a Casa tentou –por duas vezes e sem sucesso– aprovar a anistia ao caixa dois e livrar de punições todos aqueles que haviam recebido dinheiro para campanha eleitoral sem conhecimento da Justiça.
Agora, dizem deputados e senadores, é preciso delimitar uma linha divisória entre o que é caixa um, caixa dois e propina e evitar que todos fiquem no “mesmo bolo”.
A interpretação do STF sobre Raupp –réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro– foi a mesma do juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato no Paraná: apesar de declarada oficialmente à Justiça Eleitoral, a doação de R$ 500 mil da empreiteira Queiroz Galvão à campanha do peemedebista em 2010 seria “propina disfarçada”, com origem no esquema de corrupção da Petrobras.
Essa foi a primeira vez, em um caso referente à Lava Jato, que o Supremo admitiu que doações oficiais podem ser consideradas propina, o que acendeu os ânimos de grande parte dos políticos.
“Acho que se colocou pimenta no tabuleiro e realçou-se uma preocupação: como fica a política a partir daqui? O Legislativo é o Poder que pode anistiar, cassar, então vai ter que tomar medidas para recolocar as coisas no lugar”, disse o deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política na comissão especial da Câmara.
Segundo ele, a Casa precisa votar pelo menos três medidas: a nova lei de leniência, a legalização do lobby e uma lei diferenciando doação legal e caixa dois.
“Financiamento de campanha era assim, poucas pessoas davam dinheiro apenas pela ideologia, daí é fácil fazer confusão sobre o que foi favor, o que foi doação, o que foi caixa dois.”
Como revelou a Folha, horas depois de Raupp virar réu, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), também defendeu a tese de que não se pode criminalizar doações eleitorais. O tucano estava num jantar em Brasília e foi corroborado, inclusive, por um deputado de oposição, Chico Alencar (PSOL-RJ).
O discurso de Aécio fazia eco à recente nota do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que disse ser preciso fazer “distinções” entre quem recebeu recursos de caixa dois e quem obteve dinheiro para enriquecer.
Era a senha para que políticos de todos os matizes passassem a defender publicamente a tese de que caixa dois não é crime e que não se pode criminalizar o caixa um.
JURÍDICO
Ministros do Judiciário ouvidos pela Folha ponderam que cada caso deverá ser analisado separadamente, visto que será preciso “provar” que houve contrapartida para a doação legal à campanha e, com isso, tentar diferir o que é caixa um, caixa dois e caixa um travestido de propina.
Advogados e juízes ouvidos pela reportagem consideram que a tentativa para aprovar a anistia ao caixa dois ou até mesmo um pacote mais amplo é uma forma de conseguir um benefício ao acusado. Por exemplo: caso haja condenação por outros crimes, o caixa dois não ajudaria a agravar a pena.
Além disso, dizem, os políticos querem tratar o caixa dois como “mera irregularidade”, o que não é admissível no caso de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, e, dessa forma, conseguir certo alívio diante da opinião pública.
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PROPINA OFICIAL
Doação declarada pode ter origem ilícita
ACUSAÇÃO
> Em set.2016, a Procuradoria-Geral da República denunciou o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro
> Segundo investigação decorrente da Lava Jato, ele recebeu R$ 500 mil em 2010 da Queiroz Galvão para sua campanha. O valor foi pago por meio de doação eleitoral declarada oficialmente
> Delatores dizem que o dinheiro era, na verdade, propina. A empresa teria desviado recursos de obras da Petrobras
> Ao menos três delatores imputaram ilegalidades ao senador: Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras), Alberto Youssef (doleiro) e Fernando Baiano (operador)
COMO VOTARAM
> Relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin votou pelo recebimento integral da denúncia. Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Gilmar Mendes acompanharam. Dias Toffoli discordou quanto à lavagem
O QUE DIZ A DEFESA
> “Contribuição oficial de campanha devidamente declarada não pode ser considerada como indício e/ou prova de ilicitude” e contas foram aprovadas, afirma Raupp
IMPLICAÇÕES
> A interpretação do STF é a mesma do juiz Sergio Moro. É a primeira vez, na Lava Jato, que o Supremo admite que doações oficiais podem ser consideradas propina
> Decisão derruba o argumento de vários acusados de que não sabem a origem da doação