Por Daniel Rittner | De Pequim
A cena se repete por todos os lados de Pequim: torres de escritórios, bairros residenciais perto das estações de metrô e dos shopping centers espalhados pela cidade. Alguém encosta uma bicicleta amarela na parede ou no poste, deixa o equipamento solto em qualquer ponto da calçada e sai andando. Chega outra pessoa, pega a mesma “bike”, passa rapidamente o telefone celular sobre um código digital afixado logo abaixo do guidão e vai embora.
Nos últimos anos, com a ascensão de uma próspera classe média e o rápido desenvolvimento da indústria automotiva local, milhões de consumidores na China trocaram bicicletas por carros novos. Junto com a poluição, os congestionamentos tornaram-se um drama nas grandes cidades. Graças à tecnologia e ao sucesso de uma startup que acaba de captar US$ 700 milhões com investidores liderados pelo grupo Alibaba para expandir suas operações, o velho hábito chinês de pedalar está de volta.
A Ofo, maior empresa de bicicletas compartilhadas do mundo e chamada frequentemente de “Uber das Bikes”, nasceu em 2014 e já começou a oferecer seus serviços em outros 15 países. Há planos de chegar à América Latina.
Quando colocou sua ideia em prática, o jovem Dai Wai juntou-se a um pequeno grupo de colegas e comprou algumas bicicletas para rodar no campus universitário. Hoje, aos 26 anos, ele é tido pela revista “Fortune” como um dos maiores empreendedores da Ásia e está à frente de uma companhia cujo valor de mercado já ultrapassa US$ 2 bilhões.
Um milhão de “bikes” da Ofo circulam somente em Pequim. Cada meia hora de uso custa um yuan – o equivalente a R$ 0,48 pela cotação oficial. Um aplicativo no celular mapeia as unidades disponíveis nas redondezas. Basta aproximar o telefone do “QR Code” situado abaixo do guidão que a trava nas rodas é solta automaticamente. Ao fim da viagem, em qualquer lugar da cidade, o sistema eletrônico debita o valor da conta corrente ou lança a fatura no cartão de crédito.
A praticidade do serviço fez a Ofo crescer em altíssima velocidade. Ela alcançou 180 cidades, tem uma frota de 10 milhões de unidades e atende a 25 milhões de pedidos por dia. No fim do ano passado, a empresa iniciou operações no exterior. Seattle (Estados Unidos), Melbourne (Austrália) e Praga (República Tcheca) já têm as bicicletas amarelas nas ruas. O lançamento em Moscou (Rússia) está previsto para a primavera europeia, semanas antes da Copa do Mundo, que começa em junho de 2018.
A vice-presidente sênior da Ofo, Nicole Nan, diz que há interesse em entrar na América Latina “em um futuro muito próximo” e admite a existência de conversas com governos locais. Ela se nega, porém, a mencionar quais cidades estão no radar: “Você será informado oportunamente”.
Em todos os países onde atua, a Ofo tem operação própria, mas Nicole avisa que o estabelecimento de parcerias ou de franquias não está descartado. Para a executiva, cidades com muitas ladeiras – como é o caso de São Paulo – não devem se sentir desestimuladas. Ao lado de uma cafeteria interna na sede da Ofo, onde funcionários trabalham informalmente, e em um ambiente típico das empresas de alta tecnologia, ela explica que a empresa oferece 15 modelos diferentes justamente para se adaptar a cada mercado.
A lista inclui “bikes” elétricas para enfrentar o sobe-e-desce de algumas cidades e um modelo com rodas mais grossas do que o normal, usado para reforçar a estabilidade do ciclista em praias ou regiões desérticas, de solo arenoso.
Como a maioria dos executivos, que incorporaram a questão da sustentabilidade em seus discursos, Nicole fala com orgulho de como a prática de compartilhamento fomentada pela Ofo ajuda o meio ambiente. “A emissão de 2,16 milhões de toneladas de carbono foi evitada com 4 bilhões de viagens que possibilitamos”, diz a vice-presidente.
O fundador da companhia, que já revelou em algumas entrevistas ter sido ironizado por familiares quando confidenciava seus planos de abrir um negócio, tem uma previsão ousada. Até 2020, segundo Dai Wei, ninguém mais vai ter bicicletas próprias para transporte. Será tudo compartilhado e os únicos proprietários de “bikes” serão aqueles vidrados em atividades esportivas. Ao contrário de sua família, levando em conta o faro de Dai, parece melhor não chamá-lo de lunático.
O repórter viajou a convite da Embaixada da China em Brasília