Matt Flegenheimer
Em Washington (EUA)
Foi pouco antes do meio-dia, nas últimas horas de uma espera de meio século por documentos do governo sobre o assassinato de John F. Kennedy, que o octogenário aposentado do Serviço Secreto apareceu em seu primeiro momento de celebridade.
“Muita gente tem diferentes teorias de conspiração”, disse um câmera do site de fofocas TMZ, emboscando o ex-agente Clint Hill diante de seu hotel aqui na quinta-feira (26). “Às vezes você as escuta e fica na dúvida?”
Hill olhou para ele com firmeza.
“Nunca”, respondeu secamente. “Eu estava lá.”
A liberação de documentos relativos à morte de Kennedy cativou historiadores profissionais e amadores, trazendo um momento seminal da Presidência moderna de volta ao primeiro plano da psique americana.
Criadores de conspirações há muito aguardavam os documentos, ávidos para encontrar neles qualquer brecha no relato oficial das autoridades de Dallas.
Para Hill, 85, não houve mistério. Em vez disso, há um relato final, 54 anos depois.
Em 22 de novembro de 1963, Hill, havia muito tempo destacado para proteger Jacqueline Kennedy, estava posicionado no estribo lateral do carro que vinha atrás do do presidente, pronto para se mover rapidamente, se necessário.
Conforme os veículos rodavam, Hill ouviu um estouro à sua direita. Ele se virou para o som. Kennedy estava segurando o pescoço e caindo para a esquerda.
Hill correu para o veículo –o agente heroico nas imagens hoje icônicas daquele dia– e subiu no carro dos Kennedy.
Hill não ouviu o segundo tiro enquanto se aproximava da primeira-família. Ele escutou, e sentiu, o terceiro. Então jogou seu corpo sobre os dos Kennedy. Se viesse um quarto tiro, pensou o agente, atingiria a ele.
COMO FOI O ASSASSINATO DE JOHN F. KENNEDY
“Gostaria de ter sido mais rápido”, disse ele na quinta-feira.
Fazendo os circuitos de Washington por ocasião da liberação dos documentos –cumprimentando seriamente os que se aproximam, assinando fotografias de seu ato, rejeitando qualquer sugestão de sua coragem–, Hill passou a quinta-feira em busca de algo mais complexo que o encerramento, menos organizado que uma simples explicação.
Durante décadas, Hill esperou esclarecimentos sobre algumas questões: por que Lee Harvey Oswald fez aquilo? O que se soube sobre suas atividades nos meses anteriores ao assassinato?
Hill não se perguntou quem, exatamente, foi o responsável pela violência de 22 de novembro. Foi um homem, disse ele –um único atirador, três tiros. Ele acredita estar certo não porque deu o palpite certo, nem porque ficou obcecado por isso à distância, mas porque ele estava lá, fato que influenciou todos os dias da sua vida desde então.
Ele passou por depressão profunda, autoquestionamento inabalável, o hábito de beber demais.
Foi Hill quem pôde ver o buraco na cabeça do presidente naquele dia; ele quem deu o prognóstico imediato, virando-se para mostrar a seus colegas um nervoso polegar voltado para baixo; foi Hill quem informou a Robert Kennedy por telefone: “Aconteceu o pior”.
O irmão do presidente desligou.
“Você tem de reviver tudo aquilo”, disse Hill em voz baixa na quinta-feira, ajeitando-se um pouco na cadeira. “Mas é o que faço há 54 anos.”
Atravessando a capital americana na quinta-feira, Hill estava inclinado à introspecção, narrando mais uma vez uma carreira que passou servindo a Kennedy e quatro outros presidentes –Dwight Eisenhower, Lyndon Johnson, Richard Nixon e Gerald Ford.
Ele se perguntou em voz alta por que o atual presidente com frequência levantou uma teoria sem fundamento que liga Oswald ao pai do senador Ted Cruz, um rival dele na nomeação a candidato republicano no ano passado.
“É prejudicial para a Presidência, para o cargo”, disse Hill sobre a invenção do presidente Donald Trump.
Ele se estendeu sobre Caroline Kennedy (“garota inteligente –acho que deveria dizer ‘senhora’ hoje”), a água Poland Spring (“a água de Eisenhower! Nós carregávamos isso”) e Roger Stone Jr., o antigo divulgador de conspirações e assessor informal de Trump, cujo nome foi citado na TV a cabo antes que Hill fosse agendado para aparecer na manhã de quinta-feira.
“Olhe para a esquerda”, disse ele a um colega de assento na área de espera da MSNBC, aparentemente disposto a dar uma avaliação franca de Stone somente se as câmeras não pudessem decifrar qualquer contato visual. “Roger Stone. Ui!”
Durante a maior parte de sua vida, Hill, um nativo da Dakota do Norte (Estado no centro-norte dos EUA) que hoje vive perto de San Francisco (Califórnia), não apreciava discutir o assassinato em público. Uma exceção ocorreu em 1975, pouco depois que ele saiu do Serviço Secreto. Durante uma entrevista com Mike Wallace no programa de TV “60 Minutes”, Hill disse que ficou abalado quando perguntas sobre Dallas o pegaram desprevenido.
Os vários anos seguintes foram passados principalmente confinado em seu porão, disse ele, sequestrado das pessoas queridas e bebendo pesadamente. No início dos anos 1980, um amigo o convenceu de que sua escolha era clara: mudar ou morrer. Ele se desintoxicou.
Em 1990, quando estava no Texas para uma conferência, Hill reuniu forças para voltar pela primeira vez ao local do assassinato. Ele subiu ao sexto andar do Depósito de Livros Escolares do Texas, onde Oswald mirou o rifle no presidente, segundo a Comissão Warren.
“Eu verifiquei tudo”, disse Hill. “Os ângulos. Como estava o clima naquele dia? Onde exatamente estava o atirador? Onde estávamos nós? Tudo. E finalmente saí de lá sabendo que fiz tudo o que podia ter feito.”
Culpa e vergonha persistiram, disse ele, até uma idade avançada. Em 2009, um amigo e ex-agente pediu sua ajuda em um livro. Conversar ajudou, disse Hill. Ele decidiu fazer mais isso.
Seu próprio livro veio depois, um tributo à mulher que ele protegia, intitulado “Mrs. Kennedy and Me” [A senhora Kennedy e eu], escrito em parceria com Lisa McCubbin. Depois disso eles escreveram mais dois livros sobre a carreira de Hill.
“Muito catártico”, disse ele.
Agora, afirmou Hill, as teorias de conspiração pouco incomodam, embora ele duvide que a revelação dos documentos irá desincentivá-las. Em um relato, porém, Hill permanece vigilante em defesa de seu presidente.
“Uma última coisa”, gritou o enviado da TMZ quando Hill voltava para o hotel. “Marilyn Monroe!”
Hill o cortou. “É mentira”, disse. “Eu nunca a vi. E eu estava sempre lá.” Ele encerrou a entrevista aproximando-se da entrada do hotel, depois virando-se para se certificar de que tinha se livrado do único câmera.
As portas se fecharam, e Hill pareceu aliviado. Não havia um segundo atirador.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves