Absurdo: mensagens sugerem gravação da JBS sem autorização judicial

O empresário Joesley Batista, da JBS, após prestar depoimento, no último mês de setembro

CAMILA MATTOSO
DE SÃO PAULO

Uma troca de mensagens encontrada pela Polícia Federal sugere que procuradores orientaram executivos da JBS a gravar por conta própria –ou seja, sem autorização judicial– o momento da entrega de dinheiro a pessoas que seriam delatadas pelo grupo comandado pelo empresário Joesley Batista.

Os diálogos ocorreram em um grupo de WhatsApp de nome Formosa, provável referência à cidade natal dos irmãos Joesley e Wesley Batista, em Goiás.

As conversas ocorreram em 4 de abril, data em que os advogados da empresa participaram de uma reunião na sede da PGR (Procuradoria-Geral da República) com Eduardo Pelella, chefe de gabinete do então procurador-geral, Rodrigo Janot, e Sérgio Bruno, do grupo da Lava Jato.

Na ocasião, os sete executivos da JBS não tinham se tornado oficialmente colaboradores da Justiça. O pré acordo de colaboração premiada foi assinado em 7 de abril e a homologação saiu em maio.

No dia seguinte à troca de mensagens, em 5 de abril, o executivo Ricardo Saud gravou, por conta própria, a entrega de R$ 500 mil para Frederico Pacheco, primo do senador Aécio Neves (PSDB-MG). A gravação foi feita na sede da JBS, em São Paulo.

Esse foi o primeiro de um total de quatro pagamentos combinados entre Joesley e Aécio, completando R$ 2 milhões. Os repasses das outras parcelas foram filmados pela Polícia Federal com autorização judicial.

Participavam do grupo de WhatsApp o ex-procurador Marcello Miller, a advogada Fernanda Tórtima, Joesley, Wesley, Saud e Francisco de Assis e Silva, advogado e delator. Os diálogos indicam pressa da PGR para fechar a delação.

A sugestão de gravação por conta própria se dá por uma avaliação de que a espera de autorização do STF poderia levar muito tempo, principalmente porque a semana seguinte era de recesso (Semana Santa). Além disso, uma mudança de datas para efetuar pagamentos poderia causar estranheza a quem já sabia que receberia dinheiro.

AÇÃO CONTROLADA

As mais de 200 mensagens, às quais a Folha teve acesso, estavam no celular de Wesley, apreendido em maio.

“Eles acham que podem desconfiar se adiarem [os pagamentos pendentes]. [Procuradores] Acham que vcs podem fazer uma vez sozinhos gravando e deixariam a controlada para a seguinte”, escreveu Tórtima no grupo.

Antes dessas mensagens, a advogada, que estava em reunião na PGR, informou sobre a vontade do órgão em fazer a ação controlada, que não seria para “flagrante” e, sim, para produção de prova.

Assis e Silva então se manifesta: “Tem que ver se o Ricardinho [Saud] topa com o Fred. Se topar avisa”. Em seguida, Saud responde: “Depois do que o chefe fez!! Quem tem coragem de recusar qualquer ação! [Joesley gravou o presidente Michel Temer] Tô pronto!!! Pode marcar amanhã às 11:30”.

No dia da conversa, Joesley estava nos EUA. A PGR precisava de um depoimento do empresário, para formalizar um pedido de investigação ao STF. Joesley voltou a Brasília no dia 6 de abril. No dia 7, a PGR deu entrada no Supremo com pedido da ação controlada, antes portanto do recesso do Judiciário. No dia 10, o ministro Edson Fachin autorizou as investigações.

No dia 12, na primeira ação filmada com autorização do Supremo, o primo de Aécio vai para mais um encontro com Saud, em São Paulo. De lá, saiu com uma mala preta com R$ 500 mil. Em um relatório da PF, há menção sobre a gravação do dia 5 de abril.

“Não é demais reiterar que o mencionado registro de áudio é fruto da utilização de meios próprios pelos executivos da empresa, ou seja, sem qualquer participação ou orientação da Polícia Federal, que até então desconhecia absolutamente o caso”, escreveu o delegado Thiago Delabary.