Na tentativa de blindar medidas polêmicas de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem vinculado a escolha para a sucessão de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República ao aumento de um perfil conservador no segundo escalão do órgão.
No momento, o favorito para ser escolhido é o subprocurador-geral Augusto Aras, que já esteve ao menos quatro vezes reunido com o presidente.
Em conversas reservadas, Bolsonaro tem defendido que o escolhido para a função de procurador-geral deve promover uma mudança de caráter ideológico em postos de destaque que são nomeados por ele, como de corregedor-geral e de vice-procurador-geral eleitoral.
Manifestações do Ministério Público Federal, como a defesa de que seja anulada a exoneração de peritos de órgão de combate à tortura e a recomendação para que militares se abstenham de comemorar o golpe de 1964, não agradaram ao presidente.
A ideia é afastar nomes que tenham vínculo com o ex-procurador-geral Rodrigo Janot, escolhido pela ex-presidente Dilma Rousseff, e que se identifiquem com pautas da esquerda, como as de proteção a grupos minoritários.
O presidente definiu, por exemplo, a necessidade de troca no comando da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que hoje tem à frente a subprocuradora-geral Deborah Duprat. Ela foi indicada por Janot e mantida por Dodge, o que levou Bolsonaro a reavaliar a possibilidade de reconduzir a procuradora-geral.
Desde o início do ano, a estrutura vinculada ao Ministério Público Federal tem adotado posições que contrariaram o presidente, como a declaração de inconstitucionalidade em mudança na Lei de Acesso à Informação e nos decretos que ampliaram a posse e o porte de armas no país.
Em meio à divulgação de mensagens de integrantes da Lava Jato, que foram duramente criticadas pelo presidente, a subprocuradora-geral também defendeu que o combate à corrupção deve respeitar o marco legal e que o jornalismo não poderia ser censurado.
Com o enfraquecimento de Dodge, Bolsonaro está hoje, de acordo com assessores presidenciais, em dúvida na escolha entre Augusto Aras e Mário Bonsaglia.
Bolsonaro promete fazer a indicação até 17 de agosto, mas o nome pode ser anunciado ainda esta semana. O mandado de Dodge termina em 17 de setembro.
Aras, que tem perfil conservador e é considerado favorito, foi apresentado ao presidente pelo ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), que liderou no passado a bancada da bala e é amigo do presidente.
O subprocurador-geral ganhou a simpatia de Bolsonaro quando abriu diálogo com o governo federal para evitar que fosse suspensa a concessão da Ferrovia Norte-Sul, assinada na semana passada.
Na última sexta-feira (2), Bolsonaro se reuniu com Aras, no Palácio do Alvorada, e, segundo relatos de presentes, disse ter um “alinhamento de conteúdo” e “uma crescente afinidade pessoal” com o subprocurador-geral.
“Ele [Aras] é um bom nome que pensa no progresso e no desenvolvimento do país. E quer ajudar o Brasil a se desenvolver”, disse Fraga à Folha.
Primeiro colocado na lista tríplice da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Mário Bonsaglia tem também a simpatia de Bolsonaro e a sua indicação, na avaliação de assessores palacianos, pacificaria a relação do presidente com a categoria, que está insatisfeita com a possibilidade de ele escolher um nome de fora da eleição interna, como seria o caso de Aras.
O perfil independente de Bonsaglia, no entanto, tem gerado receio no Palácio do Planalto. A preocupação é de que, após ser indicado, ele adote postura crítica ao Palácio do Planalto, o que Bolsonaro tenta evitar.
Na semana passada, em conversas com conselheiros jurídicos, o presidente definiu o perfil que pretende indicar para o cargo.
Ele quer um subprocurador-geral do Ministério Público Federal que não tenha vinculação com a esquerda ou com a defesa de minorias e que não adote postura de enfrentamento com o Poder Executivo.
A estratégia do presidente de blindar decisões polêmicas ao sugerir nomes conservadores também deve ser reproduzida por ele nas indicações para o STF (Supremo Tribunal Federal).
Ele já anunciou que escolherá alguém “terrivelmente evangélico” para a próxima vaga aberta no Supremo, a ser aberta em novembro de 2020. A intenção de Bolsonaro é indicar o ministro da AGU (Advocacia-Geral da República), André Mendonça.
Nos últimos meses, Bolsonaro demonstrou irritação com posicionamentos adotados por Dodge. Um deles foi o elogio feito pela procuradora-geral, em junho, no qual ela exaltou as decisões de criminalização da homofobia e de suspensão da extinção de conselhos federais.
Em resposta, Bolsonaro criticou o STF e disse que o tribunal estava “legislando” ao entender que homofobia era crime no Brasil.
A divergência de pensamento entre Dodge e Bolsonaro é antiga. Em evento em comemoração ao aniversário da Constituição Federal, em 2018, ela exaltou como características da Carta Magna a “pluralidade étnica, de crenças e de opiniões” e “a equidade no tratamento e o respeito às minorias”.
O discurso foi feito em cerimônia no Congresso ao lado de Bolsonaro, ainda na condição de presidente eleito.
FOLHAPRESS