O que se sabe sobre a nova variante do coronavírus que levou a novo lockdown na Inglaterra

James Gallagher – Repórter de ciência e saúde da BBC
A rápida disseminação de uma nova variante do coronavírus levou a mais restrições para tentar combater a pandemia no Reino Unido.

Essa nova variante, surgida após mutações, se tornou a forma mais comum do vírus em algumas partes da Inglaterra em questão de meses — e o governo britânico diz que há motivos para acreditar que ela seja bem mais transmissível que outras variantes. Segundo autoridades britânicas de saúde, a nova variante seria 70% mais transmissível.

O estudo dessa nova forma do coronavírus ainda está em um estágio inicial, contém grandes incertezas e uma longa lista de perguntas sem resposta.

Os vírus sofrem mutações o tempo todo e é vital entender se essas mutações estão ou não mudando o comportamento do vírus e alterando a doença. Essa variante específica está causando preocupação por três motivos principais:

• Ela está substituindo rapidamente outras versões do vírus

• Ela possui mutações que afetam partes do vírus que são provavelmente importantes

• Já se verificou em laboratório que algumas dessas mutações podem aumentar a capacidade do vírus de infectar células do corpo.

Tudo isso constrói um cenário preocupante, mas ainda não há certeza. Novas cepas podem se tornar mais comuns simplesmente por estarem no lugar certo na hora certa — como a cidade de Londres, que tinha poucas restrições até recentemente.

“Experimentos de laboratório são necessários, mas você quer esperar semanas ou meses para ver os resultados e tomar medidas para limitar a propagação? Provavelmente não nessas circunstâncias”, diz Nick Loman, professor do Instituto de Microbiologia e Infecção da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, que defende as restrições para tentar conter essa versão do vírus.

Quão rápido ela está se espalhando?

Essa versão foi detectada pela primeira vez em setembro. Em novembro, cerca de um quarto dos casos em Londres eram causados por essa nova variante, aumentando para quase dois terços dos casos em meados de dezembro.

Pesquisadores têm calculado a dispersão de diferentes variantes na tentativa de estabelecer o quão infecciosas elas são. Mas separar o que é devido ao comportamento das pessoas e o que é devido ao vírus é difícil.

O dado citado pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, é que a variante pode ser até 70% mais transmissível — é um dado que havia aparecido em apresentação do pesquisador Erik Volz, do Imperial College de Londres, na sexta-feira.

Durante a palestra, ele disse: “É realmente muito cedo para dizer… Mas pelo que vimos até agora, está crescendo muito rapidamente, está crescendo mais rápido do que [uma variante anterior] jamais cresceu, mas é importante ficar de olho.”

Não há um número “certeiro” de quão mais infecciosa pode ser essa variante. Números muito mais altos e muito mais baixos do que 70% estão aparecendo em pesquisas ainda não publicadas.

Inclusive ainda há dúvidas se essa versão é realmente mais infecciosa.

“A quantidade de evidências em domínio público é inadequada para chegar à conclusões firmes sobre se o vírus realmente aumentou sua transmissibilidade”, diz o virologista Jonathan Ball, professor da Universidade de Nottingham.

Ilustração do coronavírus
Ao se replicar, os vírus geram mutações ou erros na sequência dos compostos representados pelas letras “a”, “g”, “c”, “u”

Como ela surgiu e se espalhou?

Acredita-se que a variante surgiu em um paciente no Reino Unido ou foi importada de um país com menor capacidade de monitorar as mutações do coronavírus.

Atualmente ela pode ser encontrada em todo o Reino Unido, exceto na Irlanda do Norte, mas está fortemente concentrada em Londres, sudeste e leste da Inglaterra. Os casos em outras partes do país não parecem ter decolado.

Dados da Nextstrain, que monitora os códigos genéticos das amostras virais em todo o mundo, sugerem que casos com essa variante na Dinamarca e na Austrália vieram do Reino Unido. A Holanda também relatou casos.

Uma variante semelhante que surgiu na África do Sul compartilha algumas das mesmas mutações, mas parece não estar relacionada a esta.

Isso já aconteceu antes?

Sim. O vírus que foi detectado pela primeira vez em Wuhan, China, não é o mesmo que você encontrará na maioria dos cantos do mundo.

A mutação D614G surgiu na Europa em fevereiro e se tornou a forma globalmente dominante do vírus. Outra, chamada A222V, se espalhou pela Europa e estava ligada às férias de verão das pessoas na Espanha.

O que sabemos sobre as novas mutações?

Uma análise inicial da nova variante foi publicada e identifica 17 alterações potencialmente importantes.

Houve mudanças na proteína spike — que é a ‘chave’ que o vírus usa para abrir a porta de entrada nas células do nosso corpo e sequestrá-las. A mutação N501 altera a parte mais importante do spike, conhecida como “domínio de ligação ao receptor”. É aqui que o spike faz o primeiro contato com a superfície das células do nosso corpo. Quaisquer alterações que tornem mais fácil a entrada do vírus provavelmente serão uma vantagem para o patógeno.

Parece ser uma adaptação importante”, disse Loman.

A outra mutação — batizada de H69/V70 — apareceu algumas vezes antes, incluindo nos visons infectados na Dinamarca.

A preocupação era que os anticorpos do sangue daqueles que sobreviveram ao novo coronavírus fossem menos eficazes na defesa contra a nova variante do vírus.Mais uma vez, serão necessários mais estudos de laboratório para realmente entender o que está acontecendo.

O trabalho de Ravi Gupta, professor da Universidade de Cambridge, sugeriu que em laboratório essa mutação aumenta em duas vezes a capacidade do vírus de infectar células.

“Estamos preocupados, a maioria dos cientistas está preocupada”, diz Gupta.

De onde veio essa versão?

Essa variante é excepcionalmente cheia de mutações. A explicação mais provável é que ela surgiu em um paciente com sistema imunológico enfraquecido, incapaz de vencer o vírus.

Em vez disso, seu corpo se tornou um terreno fértil para o vírus sofrer mutações.

Isso torna a infecção mais mortal?

Ainda não há evidências de que a variente seja mais mortal, mas governos e pesquisadores estão monitorando essa questão

No entanto, no momento, apenas ser mais transmissível já seria suficiente para causar problemas nos hospitais. Se pessoas forem infectadas mais rapidamente, mais pessoas vão precisar de tratamento hospitalar em menos tempo.

Coronavirus de perto em ilustração
Com a chegada das vacinas, o coronavírus sofrerá uma pressão natural para mutar a fim de infectar pessoas imunizadas, como ocorre com a gripe

As vacinas funcionarão contra a nova variante?

Acredita-se que sim, pelo menos por enquanto.

Mutações na proteína spike levam a perguntas sobre a vacina porque as três principais vacinas — Pfizer, Moderna e Oxford — treinam o sistema imunológico para atacar a proteína spike.

No entanto, o corpo aprende a atacar várias partes dessa proteína. É por isso que as autoridades de saúde continuam convencidas de que a vacina funcionará contra essa nova variante.

“Mas se deixarmos essa variante se espalhar e sofrer mais mutações, isso pode se tornar preocupante”, diz Gupta. “Este vírus está potencialmente em vias de se tornar resistente à vacina, ele deu os primeiros passos nesse sentido.”

O vírus consegue se tornar resistente à vacina quando ao mudar de formato consegue se esquivar de todo o efeito da vacina e continua a infectar as pessoas.

O coronavírus evoluiu em animais e passou a infectar os humanos há cerca de um ano. Desde então, tem passado por quase duas mutações por mês — entre uma amostra colhida hoje e as primeiras da cidade chinesa de Wuhan há cerca de 25 mutações.

Ao longo de sua trajetória, o coronavírus ainda está ‘testando’ diferentes combinações de mutações para infectar humanos de maneira adequada. Já vimos isso acontecer antes: o surgimento e o domínio global de outra variante (G614) é visto por muitos como o momento em que o vírus aprimorou sua capacidade de se espalhar.

Mas logo a vacinação em massa colocará um tipo diferente de pressão sobre o vírus, porque ele terá que mudar para infectar as pessoas que foram imunizadas. Se isso impulsionar a evolução do vírus, talvez tenhamos de atualizar regularmente as vacinas, como fazemos anualmente com a gripe sazonal, para manter o ritmo.

Segundo Anderson Brito, virologista do departamento de epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, “os coronavírus evoluem principalmente por substituições de nucleotídeos” e “não fazem rearranjos genômicos como o vírus da gripe”.

“Mas, e as vacinas? Provavelmente serão efetivas por mais de um ano”, escreveu em seu perfil no Twitter.

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