Por Matheus Leitão do G1
Polícia Federal suspeita que o senador Garibaldi Alves e outros familiares do ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves, primo do parlamentar, buscaram ajuda do ex-presidente José Sarney para tentar uma “soltura antecipada” do ex-presidente da Câmara dos Deputados.
Segundo as investigações, a busca era, possivelmente, para tentar influenciar o julgamento de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Henrique Eduardo Alves está preso há mais de quatro meses e foi um dos alvos da Operação Lava Jato, deflagrada há duas semanas, um desdobramento que nasceu do farto material apreendido nas buscas e apreensões da Manus, ação da PF nascida em junho.
Um relatório da Operação Manus ao qual o blog teve acesso registra gravações telefônicas, com autorização da Justiça, entre o senador Garibaldi e Laurita, esposa de Henrique Eduardo Alves, e também com Larissa, filha do casal.
O documento de 76 páginas, com data de 19 de outubro deste ano, mostra ainda que Garibaldi e Larissa foram monitorados pela PF em um carro oficial do Senado, a caminho de uma suposta casa da família Sarney.
Os grampos telefônicos e a vigilância presencial dos policiais estão registrados sob o título de “Encontro na Casa do Presidente”, e variam entre os dias 06 e 10 de outubro deste ano.
O primeiro diálogo importante trata de ligação entre Garibaldi e Laurita realizada no dia 8 deste mês, às 18h51:
- GARIBALDI: olhe, o Presidente marcou pra amanhã
- LAURITA: certo
- GARIBALDI: sete e meia da noite, na casa dele
- LAURITA: ótimo, perfeito, tá ótimo, então vai à tarde e (…) pega no aeroporto, né
- GARIBALDI: é verdade, é, tá certo
- LAURITA: tá ótimo, tá perfeito, muito obrigada
- GARIBALDI: viu
- LAURITA: obrigada viu
- GARIBALDI: tá
- LAURITA: Deus abençoe você
- GARIBALDI: um abraço Laureati [Laurita]
O que diz o documento da PF após transcrição do diálogo: “Importante ressaltar que a ligação ocorre em meio a um contexto de uma tentativa e busca contínua de Laurita e Andressa (filha) de meios para conseguir a soltura antecipada de Henrique Eduardo Alves”.
“Ademais, segundo as demais ligações da investigada Andressa, a sessão de julgamento de seu pai no Superior Tribunal de Justiça (STJ) estava prestes a ocorrer, motivo pelo qual existe a possibilidade de que tal encontro tenha sido arranjado no sentido da obtenção de benesses nesse julgamento”, continua relatório.
Depois disso, a PF registra conversa, interceptada no dia seguinte, da secretária de Garibaldi para o telefone de Andressa, na qual é marcado um encontro entre o senador e a filha de Henrique Alves na lanchonete Giraffas, no Gilberto Salomão, centro comercial do Lago Sul, bairro nobre de Brasília, pouco antes da suposta ida à casa de Sarney.
Segundo a PF, o suposto encontro na casa do ex-presidente estava marcado, primeiramente, para as 19h30 de 9 de outubro último, há quase um mês.
“Aproximadamente uma hora antes do encontro (09/10/2017 às 18h10min), o motorista [do senador] telefona para Andressa para combinarem o local exato onde passarão a integrar o mesmo carro em direção ao encontro”, explica o documento.
Cinco minutos depois o próprio senador conversa com Andressa, através do telefone desse motorista, diálogo que o blog também reproduz a seguir:
- GARIBALDI: Andressa
- ANDRESSA: oi
- GARIBALDI: já soube da antecipação?
- ANDRESSA: já, sete horas né?
- GARIBALDI: é, sete horas lá
- ANDRESSA: é, eu tô saindo aqui com minha mãe do aeroporto, vou só assinar um papel, é aqui pertinho do Gilberto, eu encontro vocês, é aqui do lado mesmo, é caminho
- (…)
- ANDRESSA: é rápido, é no caminho, só vou passar aqui no contador só pra assinar um papel
- GARIBALDI: tá certo
- ANDRESSA: tá, é caminho
- GARIBALDI: você trouxe a lista direitinho é, tudo né?
- ANDRESSA: não, mas eu tenho de cabeça, qualquer coisa eu anoto lá
- GARIBALDI: hein?
- ANDRESSA: eu sei de cabeça, eu anoto lá
Para a PF, é “importante destacar que Garibaldi preocupa-se que Andressa leve para a reunião uma lista, ao que Andressa responde que sabe de cabeça”.
“Tendo em vista a proximidade da data do julgamento no STJ anteriormente mencionada neste relatório, bem como o efetivo engajamento da investigada no caminho jurídico do processo penal de seu pai, tudo indica que referida lista seja relacionada a este julgamento”, diz o documento.
O relatório traz fotos do acompanhamento, inclusive do veículo oficial do Senado – placa Senado 0047 (acima).
Segundo o documento, às 18h59 do dia 9, Andressa embarca no carro do Senado, que sai do Gilberto Salomão, em direção à Península dos Ministros, também no Lago Sul, bairro nobre de Brasília. Às 19h09, segundo a PF, o carro chega à uma casa que, de acordo com o relatório da PF, pertence à família Sarney.
O relatório transcreve em seguida uma outra ligação de Andressa, às 20h33 do dia 9, depois do fim da reunião, desta vez para o marido dela, chamado Bruno. “Ao final da reunião, Andressa telefona para seu marido para saber como seu pai reagiu às notícias”.
De acordo com a PF, a investigação indica que Andressa enviou a Bruno, por Whatsapp, o resultado obtido com o encontro na casa do “presidente”, “solicitando que o mesmo repassasse para Henrique Eduardo Alves”.
Segundo a Polícia Federal, Andressa avisa ao marido, no início da ligação, que “ligou no normal” no intuito “provável” de alertá-lo a tomar cuidado com o que vai falar, “uma vez que trata-se de uma ligação telefônica que não foi feita utilizando-se de aplicativos de conversas instantâneas”.
- BRUNO: oi
- ANDRESSA: oi, liguei no normal, tá?
- BRUNO: ham ham
- ANDRESSA: e aí?
- BRUNO: tudo ótimo, muito bom, tudo ótimo, ficou melhor ainda, já tava bem, ficou melhor com essa aí
- ANDRESSA: ai, que bom, mas não chorou, nada não, né?
- BRUNO: não não, nem perto disso, longe disso
- ANDRESSA: ai que bom que não vai ter interrogatório aqui no STJ né? falou tudo?
- BRUNO: falei, falei tudo
- ANDRESSA: ai, falou da reunião, tudo?
- BRUNO: ham ham
- ANDRESSA: ele ficou bem?
- BRUNO: muito, muito
- ANDRESSA: ai, que bom
- BRUNO: eu cheguei lá, ele tava animado, ele tá bem, só tava ansioso pra saber né…
- ANDRESSA: é, eu imaginei
- BRUNO: ai quando eu passei pra ele, ficou melhor, eu saí, ele tava super otimista
- ANDRESSA: ai que bom, então tá
Para a PF, a ligação demonstra que Henrique estava ansioso pelo resultado da reunião ocorrida entre Andressa, Garibaldi e o ex-presidente Sarney e que o mesmo ficou satisfeito com o que foi obtido.
No dia seguinte ao encontro na suposta casa de Sarney, o último 10 de outubro, às 19h53, Garibaldi liga para Andressa, novamente do telefone do motorista, para avisar, segundo a PF, que ainda não recebeu a notícia que eles precisava.
“Tendo em vista as ligações anteriores, bem como a diligência realizada pela equipe policial em Brasília que identificou que o encontro ocorreu na residência do ex-presidente da República José Sarney, tudo indica que seja do ex-presidente que Garibaldi espera uma resposta”. A seguir a íntegra da transcrição:
- MOTORISTA RAIMUNDO: é, eu vou passar o Senador Garibaldi pra você
- ANDRESSA: ah, tá bom, obrigada
- GARIBALDI: Andressa
- ANDRESSA: oi
- GARIBALDI: eu fiquei até agora esperando aquela notícia pra dar pra tu
- ANDRESSA: sei
- GARIBALDI: e até agora eu não recebi a notícia, liguei pra ele, mas ele não chegou em casa
- ANDRESSA: ah tá
- GARIBALDI: aí ele tava…o Secretário dele disse que assim que ele chegar vai pedir pra ele ligar
- ANDRESSA: tá tá bom
- GARIBALDI: aí ele diz…você vai amanhã mesmo?
- ANDRESSA: vou amanhã de manhã, dez horas
As interceptações demonstram que o julgamento do caso no STJ estaria marcado para o próximo dia 31 de outubro, o que não ocorreu. O blog entrou em contato com a assessoria do STJ. Existem dois habeas corpus impetrados pela defesa de Henrique Eduardo Alves, datados do fim de agosto deste ano.
Os habeas corpus ainda não foram a julgamento, mas tem parecer contrário dado pelo Ministério Público Federal. Segundo a assessoria, a regra é que os HCs sejam levados ao órgão colegiado, nesses casos a Sexta Turma.
O que dizem os citados
Ao blog, o senador Garibaldi Alves confirmou a ida à casa do ex-presidente Sarney para pedir “ajuda” e tratar do caso de Henrique Eduardo Alves, seu primo, que foi presidente da Câmara dos Deputados.
“Sempre frequento a casa do Sarney aqui e acolá para pedir ajuda. E em uma dessas vezes, à noite, eu fui, em companhia da Andressa, para conversar sobre o problema do deputado Henrique, ouvir a opinião dele, como homem experiente, mas não houve nenhuma consequência”, afirmou ele sobre a suspeita de tentar “saída antecipada” de Henrique da prisão.
O advogado de Sarney, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que o ex-presidente recebe Garibaldi com frequência, e que é amigo dele e da família de Henrique Eduardo Alves.
“O ex-presidente confirma o encontro com Garibaldi e Andressa, mas diz que eles foram lá mais para contar história, que não houve pedido de nada. E mesmo se houvesse um pedido de liberdade, ele não teria nenhum tipo de influência e não poderia fazer nada”, disse Kakay ao blog.
O advogado de Henrique, Marcelo Leal, afirmou que tem trabalhado tecnicamente, buscando as vias judiciais, e acredita que o mérito do habeas corpus é muito bom, e que, por isso, acredita na concessão das medidas.
Procurado pelo blog, o advogado de Andressa, Erick Pereira, afirma que não pode comentar as informações porque elas estão sob sigilo. Segundo ele, quando o sigilo da investigação for retirado pela Justiça, as explicações serão dadas à coluna.